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Aposta do país para aprimorar gerenciamento do lixo é insuficiente

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Aglomerado de lixo, Av. Paulista. Foto: Jaboticaba Fotos/shutterstock.com

Cada brasileiro produz pouco mais de um quilo de lixo por dia, o que significa dizer que, por mês, são 30 quilos de resíduos por habitante. Os números alcançam patamares alarmantes quando colocados em escala nacional: somente em 2016, foram geradas cerca de 215 toneladas todos os dias, segundo dados da última edição do Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil. Contudo, o que mais impressiona é a constatação que vem a seguir: pode piorar.

Para Jorge Alberto Soares Tenório, que atua no Laboratório de Reciclagem, Tratamento de Resíduos e Extração, da USP, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), aprovada em 2010, principal medida para aprimorar o gerenciamento de resíduos sólidos urbanos do país, tem falhas e até o momento não conseguiu resolver uma questão fundamental: o efetivo envolvimento da indústria no processo de logística reversa.

Na prática, a partir da PNRS, as empresas são responsáveis pelo descarte do que produzem. “Não foi para frente nisso, ela (Política) não avançou. O que precisa é reduzir a quantidade de geração na fonte. Nós temos que gerar menos lixo. Mas como a gente faz isso?”, analisa.

O pesquisador defende ainda que o envolvimento da sociedade também poderia ser um elemento de transformação e aprimoramento do processo envolvendo o lixo. “Informação é poder e hoje falta informação”. A falta de políticas públicas consistentes também é, segundo ele, um impeditivo para que o processo seja mais eficiente. “Hoje é mais barato não fazer nada, mas este é um preço que tem que ser pago e vai ser pago algum dia”, avalia.

Confira a entrevista na íntegra, a seguir:

O Plano Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) é entendido como um importante marco para o Brasil no gerenciamento do lixo. Hoje, oito anos após a aprovação do Plano, na visão do senhor, o que mudou no processo de manejo de resíduos sólidos no Brasil?

Efetivamente, no manejo, mudou muito pouco. Algumas prefeituras conseguiram fazer os projetos e colocar em prática. Alguns setores conseguiram fazer os seus planos e colocar em prática. Mas é muito pouco efetivamente do que se esperava.

Eu não consigo ver o resultado até agora, mas nós passamos por uma crise que atrapalhou muito. O projeto de erradicação de lixões, de criação de frentes de cooperativas e de acordos setoriais para quatro anos já era irreal se não tivesse crise. Muito pretencioso. Não enfrentemos apenas a crise econômica. É crise de governo, falta de governo.

Na opinião do senhor, o que falta para um maior engajamento da população com relação ao gerenciamento do lixo?

Falta porque a população sequer conhece o que se deve fazer. Falta política pública.

E como a população conseguiria contribuir para o gerenciamento do lixo?

Se ela tiver informações, ela participa. Quantas pessoas você conhece que guardam pilhas dentro de casa porque tem dó de jogar fora? Você conhece muitas. A visão da população é de que não deve desperdiçar. Ela tem um sentimento de que aquilo tem valor e que não deve ser consumista. Informação é poder e hoje falta informação. Você sabe que o seu pneu tem que ser trocado em uma oficina e que vai para um sistema de coleta.

As pessoas que tem carro sabem. Antes, não existia uma coleta de pneu. Depois da resolução do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), começou a ter coleta. Criou-se um mercado, criou-se uma política reversa. O pneu é um modelo que funciona.

As outras coisas não funcionam, porque não têm modelo. Antigamente, quando você trocava a bateria do carro, ela já ia para um sistema de coleta. Antes de se pensar no termo logística reversa, já existia essa prática.

As baterias não vão para o lixo porque têm valor. As pessoas sabem que se deixarem uma latinha de alumínio no chão, alguém vai pegar, porque pode ser vendida. Ou seja, os materiais que têm valor não precisam de legislação e nem de política pública. O mercado faz a política, estabelece toda a logística e vai atrás. É preciso ter políticas públicas para as coisas que têm menos valor agregado, que não tenham ou que só passem a ter a partir de um volume relativamente considerável.

"Informação é poder e hoje falta informação"

De que forma o consumo está associado a essa questão?

Eu não gosto de falar que a população é consumista, porque a população é miserável de uma forma geral no Brasil. Nós não consumimos nada perto da Europa e dos Estados Unidos. Nós não temos consciência do que fazer com as coisas.

Existe uma consciência intrínseca nossa. Por exemplo, meu celular foi feito para durar dois anos. Aí está o consumismo, na obsolescência programada. Após dois anos, na hora de trocar o aparelho, você não tem o que fazer com ele e joga fora.

Se tivesse o que fazer com o eletroeletrônico, se tivesse o que fazer com a pilha, uma parte enorme da população não ia fazer nada. Ia continuar jogando no lixo. Mas uma parte iria jogar no contentor, iria atrás para fazer alguma coisa. Mas não existe uma política. A Política Nacional de Resíduos Sólidos não conseguiu fazer isso e deixou para toda a cadeia se organizar. A cadeia não se organiza naturalmente, somente se tem valor econômico.

A falta de informação é o principal entrave para que o país avance mais no tratamento de seus resíduos?

Para mim, o principal é a falta de política. A falta de informação também prejudica. Por exemplo, sobre pneu as pessoas não precisam ser informadas. Alguém foi lá fazer alguma conscientização? Dizer para não jogar pneu no rio Tietê, como faziam antes? Não, porque a resolução do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) acabou influenciando para que criassem uma cadeia reversa.

A política reversa ainda é muito difícil de implementar em São Paulo e em todo o país de uma maneira geral. Pilhas, equipamentos eletrônicos, os próprios pneus podem ser alguns exemplos de materiais de difícil descarte. Quais seriam as principais medidas a serem adotadas para que a reciclagem desses itens fosse mais eficiente?

A reciclagem do pneu é boa. Pode melhorar, mas já é boa. O problema são as outras coisas. Não existe uma receita. Não existe solução única. O que precisa é vontade de fazer. Para lâmpada é uma coisa, para copo é outra coisa, para vidro é outra coisa. Cada uma tem uma solução. Por isso, que a ideia era fazer os acordos setoriais, mas deixar a própria cadeia resolver sozinha. Porque ela não quer resolver? Aquilo não tem valor de mercado. O que faz as coisas andarem é o valor de mercado.

O senhor acha que a imposição seria a solução?

Tem que estudar e fazer. A sociedade quer, mas não é toda a sociedade que quer. Tem sociedade que prefere não fazer nada.

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Lata de lixo reciclável. Foto: Samuel Kochhan / Shutterstock.com

De que forma o aprimoramento da gestão do lixo impactaria favoravelmente a economia?

É uma pergunta bastante difícil de responder. Eu não sei se melhoraria economicamente, mas é um preço que tem que ser pago. Eu sei de algumas coisas que melhorariam economicamente. Não sei se de uma maneira geral melhoraria. O sistema hoje custa muito. O cidadão paga muito para o caminhão do lixo passar na rua, ficar andando, levar para uma estação de transbordo e depois ir para um aterro.

A questão é reduzir. Se a gente conseguir reduzir o volume através de educação ambiental e conscientização, reutilizando os papéis dos dois lados, usando papel reciclável, usando copo de vidro ao invés do de plástico, tudo isso a gente vai reduzindo. E aí, ao invés de jogar tudo o que é reciclado para o aterro, conseguir fazer um sistema que gere renda para famílias de baixa renda e se apropriar do que é reciclado.

Isso é uma forma e custa. Por isso que ninguém faz nada. Hoje é mais barato não fazer nada do que fazer, mas este é um preço que tem que ser pago e vai ser pago algum dia. Tem que investir. Se você quer um processo melhor, tem que pagar por ele. Porque se ele fosse financeiramente melhor já tinham feito.

É preciso que todo mundo participe e pague. Por isso, que é uma Política Nacional de Resíduos Sólidos, porque pressupõe uma responsabilidade compartilhada, que por acaso eu não gosto.

Por que?

Acho que o preço tem que estar embutido. Se eu comprei uma boneca, se eu comprei um carrinho, um celular, um carro, o processo de reciclagem dele tem de estar incluído no preço. E esse preço é muito menor do que eles querem, é pouco. Principalmente coisas de alto valor agregado.

O que o senhor está querendo dizer é que as empresas repassariam para os clientes esse valor e, automaticamente, fariam a política reversa?

Estariam cobrando na forma de taxa ou de algum imposto, que pagaria todo o sistema. E não a própria empresa, porque muitas vezes ela não tem interesse. Se tivesse, já tinha feito. O máximo que ela faz é dizer: não jogue no lixo. Mas depois não explica nada.

As coisas estão melhorando. Tem contentores, tem campanhas, tem de vez em quando o Prefeito que mostra que está fazendo a coleta, mas são coisas esporádicas. Não tem uma política. A Política Nacional de Resíduos Sólidos não foi para frente nisso, ela não avançou. O que precisa é reduzir a quantidade de geração na fonte. Nós temos que gerar menos lixo. Mas como a gente faz isso? Ninguém quer ensinar.

"O que precisa é reduzir a quantidade de geração na fonte. Nós temos que gerar menos lixo"

 

Jorge Alberto Soares Tenório  – Professor Titular do Departamento de Engenharia Química da Universidade de São Paulo (2005). Engenheiro Metalurgista pela Universidade de São Paulo (1984). Mestrado e Doutorado em Engenharia Metalúrgica pela Universidade de São Paulo (1988, 1992). Professor Livre-Docente pela Escola Politécnica (1996). Sabático no Department of Materials Science and Engineering do Massachusetts Institute of Technology (2001). Atua nas áreas de Reciclagem, Tratamento de Resíduos Sólidos e Metalurgia Extrativa. Presidente do ICTR-Instituto de Ciência e Tecnologia em Resíduos e Desenvolvimento Sustentável (2008-2011). Professor e orientador convidado do programa de Ciência e Engenharia de Materiais da REDEMAT UFOP (2000- ). Professor e orientador convidado do Programa de Mestrado em Engenharia Metalúrgica do Instituto Federal do Espírito Santo PROPEM IFES (2009-2012). Editor da Revista Brasileira de Ciências Ambientais do ICTR (2007-2014) e da Seção Metalurgia e Materiais da Revista Escola de Minas (qualis B1). Integrante do Comitê de Assessoramento do CNPq de Engenharia de Minas e de Metalurgia e Materiais (CA-MM) (2010-2013). Integrante da Comissão de Avaliação da Área de Engenharias II da CAPES (2004-2009). Chefe do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Escola Politécnica (2010-2014).


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