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Cooperativa muda a vida de famílias

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Vidros separados na Cooper Vira Lata. Foto: Gabriel Ranzani

A Vira Lata nasceu da união de um grupo de amigos que tinham como propósito juntar trabalho social com ação ambiental. Seu projeto de coleta seletiva teve início em 1998 no bairro Jardim Boa Vista, na zona oeste da capital. “Era uma forma de gerar renda e contribuir com o meio ambiente”, conta Wilson Santos Pereira, que protagonizou a ação ao lado dos amigos Marcelo Almeida e Alexsandro Menezes. 

A divulgação do projeto ficou por conta da igreja local, que ajudou a engajar a comunidade. De imediato o trio conseguiu contratar três pessoas desempregadas do bairro para iniciar o trabalho de coleta. Na época, Alexsandro trabalhava em uma empresa como tesoureiro e se dispôs a cuidar da contabilidade, então feita, muitas vezes, em papel de pão. Marcelo estava se formando em Direito e se dispôs a acompanhar a retirada dos materiais coletados aos finais de semana. E o terceiro do trio, Wilson, era estudante de psicologia e, pouco tempo depois, largou o curso para se dedicar integralmente ao projeto.

“Os moradores do bairro se mobilizaram e começaram a separar o material, inicialmente recolhido em carrinhos de feira. Todo tipo de resíduo disponibilizado era reciclado. O espaço de armazenamento era um depósito improvisado, ali mesmo na região”, explica Wilson. Com o tempo a estrutura ficou pequena. O lixo começou a ser recolhido com um carro emprestado de um amigo e o material passou a ser armazenado em um salão dentro da igreja.

A iniciativa de Marcelo, Wilson e Alexsando contagiou os moradores locais, que passaram a carregar os caminhões que retiravam o papelão, vidro e outros materiais recicláveis. Sem dinheiro para investir, Wilson articulou parcerias com  transportadoras e outras empresas, que prestavam serviços em troca de pequena contribuição financeira. “Muitas vezes eu inteirava do meu bolso, porque a gente viu que reciclar tinha um custo”, conta.

A expansão

Um ano se passou era preciso um novo endereço. Já era possível arrecadar 10 toneladas por mês, o que motivou a mudança para um salão de 200 m² doado pela Sociedade Amigos do Bairro. Nessa época surgiu a parceria com a Petrobrás, a possibilidade de aquisição de um caminhão de prensa dos resíduos e a compra de equipamentos de proteção individual, como luvas, botas e uniformes. Desde então, eles passaram por constante ascensão.

Em 2006, um convênio com a Prefeitura permitiu que a Vira Lata fosse transferida para um galpão de 400 m², em Pinheiros. E, logo depois, para outros dois espaços maiores: 1.000 m² na Vila Leopoldina e mais 2 mil m² no Jaraguá. “Nessa época eram 30 pessoas trabalhando, e para cada espaço que a gente mudava, aumentava o número de funcionários e de coleta seletiva”. É nesse período que a associação vira oficialmente uma cooperativa, a Cooper Vira Lata.

O caminho percorrido foi árduo. Wilson teve de lidar com diversos tipos de problemas, inclusive roubos na empresa. “Nesse meio você tem muita gente oportunista, presente em todas as classes sociais. As pessoas entram querendo fazer parte, mas assumir a responsabilidade da gestão plena... poucos assumem. É aí que acontece o desvio. Precisa ter uma fiscalização permanente”, enfatiza.

Hoje, a Vira Lata que atua na coleta, triagem e comercialização de material reciclável retornou à sede inicial, no Jardim Boa Vista. “Já são 20 anos de trabalho. A gente jamais imaginou que chegaria até aqui”, diz Wilson, que hoje cupa o cargo de coordenador de produção na Vira Lata.

A rotina

O dia a dia de Wilson é intenso. Ele acorda às 4h45 da manhã, prepara a marmita e chega ao trabalho às 5h50, onde toma um café para aguardar a chegada dos cooperados. “A maioria dos cooperados chega por volta das 5h30 e toma um cafezinho comigo. Eles trabalham no setor de apoio, prensagem e empilhadeiras para liberar o espaço de armazenamento dos resíduos. Às 7h começa a rotina efetivamente”.

Wilson percorre os setores da empresa para checar a lista de funcionários. Na sequência, ele verifica o setor de cargas, principalmente de papelão e vidro, para programar a dinâmica de comercialização do dia. Sempre com um sorriso no rosto e brincando com todos os funcionários.

O ritmo é frenético. A rotatividade dos caminhões é intensa. Wilson é requisitado a todo momento, seja pessoalmente ou pelo celular. A política de preço para comercialização do material é gerenciada por ele, de acordo com o mercado de reciclagem. Entre os materiais comercializados pela cooperativa estão todos os tipos de plásticos, vidro, sucata, alumínio e todo tipo de papel e embalagens tetra pak. Os preços de comercialização variam de R$ 4,75 o quilo, das latinhas de alumínio, por exemplo, até R$ 0,85, como no caso do ‘mistão’ (mistura de vários tipos de papéis)".

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Histórias de vida

A Cooper Vira Lata emprega atualmente 130 pessoas de diferentes cidades da Grande São Paulo: Osasco, Carapicuíba, Guarulhos, Itaquaquecetuba, Diadema, São Bernardo, Taboão da Serra, entre outras. Iniciativas como essa têm um impacto social muito importante, principalmente em comunidades carentes, uma vez que propiciam oportunidade de emprego para a população dessa região. São pessoas em situação de vulnerabilidade social: catadores de rua, desempregados, ex-presidiários, usuários de álcool e drogas ou que já tiveram envolvimento com o crime organizado.

Um ambiente permeado de histórias de vidas conturbadas. Como a de Marlene Alexandre da Silva, de 54 anos, moradora da Penha. Ela trabalha separando diferentes tipos de materiais: plástico, tetra pak e outros resíduos. O salário, em torno de R$ 1.600, é usado para o sustento de uma das filhas e seus quatro netos. “Não escondo quando as pessoas me perguntam onde trabalho. Digo que é na reciclagem. As pessoas falam: ‘credo, reciclagem onde passa bicho!’. Eu falo: ‘o que é que tem? O que vale é o salário que você está ganhando’. Eu já tenho a resposta na ponta da língua”, ri.

Marlene passou a infância na Baixada Santista, na cidade de Mongaguá, e se mudou para São Paulo ainda nova. Com a morte da mãe e da avó, iniciou uma etapa da vida ainda mais difícil. Foram 30 anos marcados pela passagem na Fundação Casa e vários presídios do estado. “Fui presa por assalto. Perdi minha mocidade todinha na cadeia. Eu roubava para sobreviver”, revela.

As lágrimas aparecem quando recorda os momentos que passou na cadeia. “O mais difícil foi você estar lá dentro e não ter uma visita de ninguém, nem os filhos você podia ver”, diz emocionada. Hoje, pensa em um futuro melhor para ela e os netos. “Quero é juntar um dinheiro, comprar uma casa boa e sair da comunidade. A polícia entra e chuta a sua porta. Já passei por isso várias vezes. Você não vai criar os seus netos vendo aquelas coisas, né?”. 

Josenaldo Barbosa dos Santos, de 43 anos, é morador da comunidade Maria Luiza, em Itaquera, na Zona Leste da cidade. Ele trabalha na Vira Lata há quase dois anos no setor de limpeza do estoque de materiais. Há 15 deixou a esposa e os dois filhos em Pernambuco em busca de uma oportunidade de trabalho na capital, como muitos que chegam na cidade com o intuito de melhorar a vida da família. O que era sonho se transformou em pesadelo. Sem ter para onde ir, morou na rua durante 10 anos. Nesse período, a família nunca soube do seu paradeiro. A maconha e o crack passaram a ser suas únicas companhias. “Eu sentia angústia, tristeza. Não sabia como a minha família estava e eu sem poder ajudar eles. Eu achava que se eu usasse alguma coisa podia sair daquele pesadelo da mente”, conta.

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Separação dos resíduos na Cooper Vira Lata. Foto: Gabriel Ranzani

O fundo do poço foi a prisão por porte de drogas (segundo ele, forjada). Foi na religião que ele se apoiou para tentar mudar o rumo de sua vida.  “Lá dentro eu pedi ajuda a Deus. Primeiramente, para me libertar das coisas do mundo, e depois para me dar a liberdade”. Há sete anos ele está em liberdade condicional após cumprir dois anos de pena. E conseguiu, por meio do trabalho na cooperativa, trazer a família para viver com ele em São Paulo.

Essas e muitas outras histórias permeiam de maneira recorrente esse segmento de trabalho. Muitos veem no lixo a única alternativa para sobreviver em meio à dura realidade. A história de Isabel, nome fictício para preservar sua identidade, é um exemplo típico. O lixo foi a única saída para sair das ruas e se livrar do ex-marido agressor.

“Se não fosse o dinheiro do lixo eu não comia, não pagava aluguel, não tinha minhas roupas. Eu devo tudo aqui, senão eu estaria na rua. Não tenho com quem contar”.

O ex-marido, com quem viveu durante sete anos, nunca aprovou o trabalho. Era ciumento e controlador. Um amor doentio que aprisiona Isabel até hoje. “Ando com medo e de cabeça coberta o tempo todo. É triste viver assim. Ele me dizia: se você não for minha não será de mais ninguém. Eu mato você e me mato. Ele me tinha como propriedade”, conta.

Apesar de estar resguardada pela lei Maria da Penha, ela vive com medo que seu paradeiro seja descoberto por ele a qualquer momento. “Foi um pesadelo. Ele me pegou de refém na rua, fui amordaçada, mas consegui fugir. Foi pior que filme de terror”. Isabel chora ao lembrar dos seis filhos que não vê há muito tempo por conta do medo do ex-marido. “O que me faz aguentar tudo isso é fazer de conta que eles estão comigo. É de onde vem a minha força”, se emociona.

Na esteira chega até Jabuti desaparecido

Nesses 20 anos de atuação, a Vira Lata empilhou mais do que toneladas de lixo. Colecionou vidas e transformações. A funcionária Liley Stefanie, de 24 anos, que trabalha como auxiliar administrativa e braço direito de Wilson há um ano, relembra fatos curiosos que já aconteceram durante a rotina de trabalho. “Outro dia passou na esteira um Jabuti. Era muito importante, porque tinha um valor emocional enorme para uma senhora que veio até aqui e perguntou se alguém tinha achado. Um dos cooperados pegou e devolveu o animal”, conta. A senhora recompensou os cooperados com mil reais.

Além de animais, muitos outros produtos costumam aparecer nas esteiras de triagem: celulares, computadores, tênis, roupas de marca, dólares e até bolos de dinheiro. “Já acharam mais de R$ 5 mil em montes enrolados. Recentemente passaram vários dólares. Uns US$ 300”, comenta. A empresa acaba permitindo que os cooperados peguem o dinheiro que aparece nas esteiras, mas não vê com bons olhos a retirada de roupas ou de materiais eletrônicos. “Não pode pegar nada, o certo é levar para o aterro, mas se tem utilidade o pessoal leva”, diz Liley.

Wilson também relembra com orgulho de alguns casos que ocorreram durante essa jornada. “Um dos cooperados era alcoólatra e pediu para fazer um tratamento. Na hora a gente ajudou”, revela ele. O funcionário já acumula 15 anos de empresa. “Moralmente a cooperativa devia isso a ele, pelo esforço que ele fez para que a Vira Lata chegasse onde chegou”.

Um setor marginalizado, em que muitos profissionais são explorados por cooperativas que não trabalham de forma organizada. “Falta compreensão da sociedade da importância do trabalho deles para o meio ambiente. Ele está fazendo um trabalho como um profissional qualquer. E hoje eu posso dizer, sem medo de errar, que está entre os mais importantes trabalhadores braçais. A coleta seletiva movimenta muito dinheiro no país”, diz Wilson.

Mais dificuldades

Um dos principais problemas apontados por Wilson para quem trabalha na separação do lixo é a falta de compreensão das pessoas em relação à destinação correta do resíduo. “As pessoas misturam lixo do banheiro ou seringas, por exemplo, com material reciclável ou até mesmo descartam seringas com lixo reciclável. Por outro lado, é muita gente querendo reciclar e você não tem estrutura nas cooperativas para a população doar seus materiais”, enfatiza.

Aos 58 anos, ele considera uma utopia tudo o que conseguiu construir até hoje.  “Eu me considerava, como eu costumo dizer, um grão de mostarda. Hoje eu já me considero um grão de feijão. Juntando as cooperativas, já conseguimos fazer uma feijoada muito grande para muitas pessoas. É uma satisfação ver como começamos e onde chegamos. Saber que o sonho continua em pé e cada vez mais presente”, conclui.

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Lixos empilhados na Cooper Vira Lata. Foto: Gabriel Ranzani

Sobre a Cooper Vira Lata:

A cooperativa recolhe 200 toneladas de resíduos recicláveis por mês;

Em média 30% do material recolhido vira rejeito;

Cerca de R$ 350 mil são arrecadados com a venda dos resíduos recicláveis;

R$ 1.500 é a média de salário dos cooperados;

Eles trabalham 8 horas por dia, 44 horas semanais;

55% papéis, 23% plástico, 15% vidro, 5% alumínio e sucata ferrosa, 2% outros são materiais mais reciclados.


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