Esteira de triagem na Cooperpac. Foto: Thiago Mucci
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Uma laje rachada foi o estopim para o nascimento do que viria a ser a Cooperativa de Catadores do Parque Cocaia, na região do Grajaú (zona Sul da Capital). Não, não se trata de uma gíria ou do enredo de um rap paulistano. Mas de um acidente que motivou a expansão de um trabalho até então doméstico, realizado no fundo do quintal.
Em 2007, animados por uma ativista, um grupo de desempregados do Cocaia decidiu criar uma cooperativa de reciclagem para sobreviver. “Começamos a armazenar os materiais na laje de casa, onde conseguimos colocar, não sei como, com o passar dos meses, até sete toneladas”, lembra, entre risos, Fernando Pereira Santos, de 40 anos.
Foi aí que a laje rachou, literalmente. “Não consegui até hoje consertar, mas na época percebemos que precisaríamos de um lugar maior”.
Fernando é casado com Valquíria, a primeira presidente da Cooperpac, e hoje pilota o pequeno caminhão que coleta 6 das 30 toneladas mensais de resíduos que, uma vez vendidos, garantem a renda média de um salário mínimo para os 18 cooperados da organização.
Onze anos se passaram depois do episódio folclórico. De lá para cá, foram idas e vindas, percalços e vitórias. Depois de abandonar a solução caseira, a cooperativa alugou um terreno no bairro, mas o preço do aluguel sufocou os negócios.
A saída encontrada, como acontece com a maioria das cooperativas, está nas políticas públicas setoriais. “Se a Prefeitura não alugasse este galpão, seria muito difícil manter o trabalho”, diz Helena da Silva Novaes Oliveira, presidente da Cooperpac.
Trata-se de uma área de 4.000 m², dos quais 1.000 m² são ocupados pelo galpão onde acontece a reciclagem dos detritos. Das 30 toneladas mensais de resíduos, 80% são encaminhados pelos caminhões da coleta seletiva da Ecourbis, concessionária municipal que opera naquela região da Capital.
Mas a questão de fundo, explica Helena, não é a quantidade de cooperados nem os caminhões. O problema são os preços e os atravessadores que compram das cooperativas a valores mais baratos do que revendem para as indústrias.
Só no caso do papel, conforme o Recicla Sampa já demonstrou em reportagem, o deságio pode chegar a 40%. Com preços tão baixos, a renda média dificilmente passa de um salário mínimo por jornada de 40 horas semanais.
“O problema é que falta união das cooperativas ou um mecanismo que consiga juntá-las para que tenhamos escala de venda”, diz Fernando, o motorista.
Aliás, a ideia de ir para o volante foi para aumentar a renda. “Eu rodo num raio de 25 quilômetros, até Moema, para pegar resíduos em condomínios”, explica.
“Nós temos que nos virar.”
“As cooperativas não são tão unidas quanto deveriam”, explica Helena, que, diplomaticamente evitou polemizar mais sobre o tema ou atacar outras cooperativas
A principal preocupação de Helena e de seu time de cooperados é com a educação ambiental. “As pessoas sabem pouco e fazem pouco pela reciclagem e pelo meio ambiente, mesmo entre alguns cooperados”, diz a presidente, ecoando pesquisa recente realizada pelo Ibope com entrevistas em todo o País.
É uma fala sofisticada para quem cursou até o antigo quarto ano do primário – hoje ensino fundamental. Aos 45 anos, Helena começou a vida na roça do município baiano de Ibiassucê. “Meu pai não tinha dinheiro para me mandar para a cidade para fazer o ginásio.”
Veio para São Paulo no ano 2000 com os dois filhos, para cortar cana em Ribeirão Preto, com o marido. Viveu dois anos como boia-fria, onde ganhava mais ou menos o que obtém hoje como cooperada.
A vida dura na colheita foi trocada pela dura vida na periferia. “Meu marido era pedreiro e meu irmão morava aqui no Grajaú, aí nós viemos para cá.”
Para complementar a renda e permitir que os filhos estudassem, Helena começou a bordar para fora. Mas foi atraída pelo anúncio de uma entidade de bairro da Vila Natal, um dos bairros do Grajaú. “Eles iam montar uma cooperativa e lá fui eu”.
O projeto chegou a ter 40 cooperados, mas, logo no primeiro ano, foi contabilizando desistências. Era 2005.
“Sobramos só eu e uma colega e fomos tocando sozinhas, catando resíduos em carrinhos, trabalhando de sol a sol.”
A barra começou a pesar até que Helena conheceu Valquíria, a mulher de Fernando, que presidia a Cooperpac e procurava um novo terreno para abrigá-la. “Decidimos juntar forças e hoje estamos aqui.”
Helena diz ter orgulho do que faz. Assim como Fernando e Valéria Candida da Silva, que toca o administrativo da Cooperpac, mas que já operou na esteira e prensas de compactação. “É preciso pensar nos outros”, diz. “Às vezes, parecem que os mais ricos e bem informados são os que menos se preocupam.”
Fernando, Valéria e Helena têm filhos, ganham pouco e remam contra a maré num movimento de defesa do planeta. Sabem disso. “Tenho orgulho do que faço e sei a importância do trabalho”, diz Helena.
Como tanto outros cooperados, Helena carrega consigo sonhos e resiliência. Apesar de viver de salário mínimo, ser divorciada e ter cursado apenas até a quarta série, deu aos filhos um horizonte mais amplo. “Meu mais novo é formado em Tecnologia pela Fatec e eu penso em voltar a estudar”, projeta.
Quem quiser contratar os serviços da Cooperpac pode ligar no telefone 5528-0849.
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