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Deixar a cultura do descartável é um grande desafio, aponta pesquisadora

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Gina Rizpah. Foto: Encontro temático CEPAM

O consumo consciente é algo defendido por diversos especialistas, não sem razão. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, baseado em estudos internacionais, a humanidade já consome 30% mais recursos naturais do que a capacidade de renovação da Terra. Se os padrões de consumo e produção continuarem nesse ritmo, em menos de 50 anos serão necessários dois planetas Terra para atender nossas necessidades de água, energia e alimentos.

A pesquisadora Gina Rizpah Besen, do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo, é uma forte defensora da conscientização das pessoas. Segundo ela, é necessário “conhecer o ciclo de vida dos produtos e seus impactos, refletir sobre a real necessidade do consumo, quais valores estão por trás deles e para que tipo de vida ele nos leva”.

Gina também é contra o uso do termo “lixo” para se referir a resíduos. Segundo ela, o termo compromete o debate. “Lixo é associado àquilo que não tem valor, que não presta. O termo não contribui para a mudança de valores e de cultura e para o melhor entendimento dos processos”, argumenta.

Sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos, a pesquisadora é enfática. “A Política foi abandonada e está em risco frente às pressões dos lobbies de incineração de resíduos. O Plano está sendo revisto sem nem ter sido aprovado, e poucos planos municipais de gestão de resíduos sólidos estão sendo implementados.”

Confira a entrevista na íntegra:

Especialistas apontam a diminuição do consumo como um caminho para o melhor gerenciamento dos resíduos. A senhora também defende o consumo consciente?

Eu entendo que qualificar o consumo, além de reduzir a quantidade de resíduos e melhorar a gestão de resíduos sólidos, também contribui com a melhoria da saúde pública e da nossa qualidade de vida. Enquanto seres humanos, o que nos diferencia é a capacidade de escolha e a consciência, mas precisamos exercitá-las e, para isso, a informação qualificada vai definir que tipo de vida teremos neste planeta e subsidiar as tomadas de decisão.

Passar de uma sociedade do descartável e do “ter” para o durável e o “ser” é um grande desafio que vai muito além da questão do gerenciamento de resíduos. Inclui conhecer o ciclo de vida dos produtos e seus impactos, refletir sobre a real necessidade do consumo, quais os valores que estão por trás do consumo de alguns objetos e produtos e para que tipo de vida eles nos levam.

De que forma esse processo pode ser implantado em uma cidade com as dimensões e a complexidade de São Paulo?

São Paulo é um aglomerado de cidades com realidades socioeconômicas e ambientais distintas. Não existe uma solução única, mas um trabalho em vários níveis de educação e de mudança da cultura sobre a geração de resíduos.

Existe a necessidade de facilitação da informação e formação contínua por meio de espaços presenciais e da tecnologia, e ainda de promoção de redes de atores que entendam e disseminem esta nova cultura nos vários setores, tais como o da educação, da saúde e da indústria, comércio e serviços.

Em sua tese de doutorado a senhora faz referência à Política Nacional de Resíduos Sólidos e às organizações de catadores. Qual o papel desses atores na política de gerenciamento do lixo?

No que se refere à gestão dos resíduos domiciliares, que é minha área de trabalho, eles têm um papel fundamental. Quem faz a coleta seletiva acontecer no Brasil são os catadores de materiais recicláveis, tanto cooperados como avulsos, trabalhando nas ruas das cidades. Se hoje estamos no patamar em que nos encontramos em termos de reciclagem, devemos a eles.

Sempre me perguntam se a coleta seletiva pode ser feita sem catadores e eu respondo que sim, mas que uma coleta seletiva sustentável não é possível sem catadores, na medida em que a sustentabilidade implica nas vertentes ambiental, social e econômica, e os catadores são os protagonistas sociais da coleta seletiva.

No entanto, diferentemente de empresas que são remuneradas pelos serviços prestados, eles não o são e esta realidade tem que mudar urgentemente no país. A Política Nacional destaca a importância destes atores tanto na coleta seletiva municipal quanto na logística reversa junto às empresas privadas.

Sabemos que ainda há inúmeros catadores autônomos no país. Qual a melhor maneira de formalizar seus trabalhos? Há alguma opção além das cooperativas? Há cooperativas suficientes para todos?

Um dos maiores desafios na gestão da coleta seletiva é trazer os catadores avulsos para as organizações. Eles ainda são em número muito superior aos associados e cooperados. Nas cidades de pequeno porte isto é mais factível, mas em cidades de médio e grande porte a dificuldade é maior. Sempre defendi a qualificação e regularização de intermediários, pois não é possível acreditar que numa megalópole como São Paulo se consiga que todos os catadores sejam organizados. Se for possível melhorar as condições de trabalho, higiene, e reduzir a exploração, já é um resultado muito bom.

Embora as cooperativas sejam uma alternativa, a maior parte destes trabalhadores não se adapta ao trabalho cooperativo e não podemos exigir isto deles se vivemos numa sociedade muito pouco cooperativa. A cadeia de reciclagem precisa ser mais justa e também dividir melhor os ganhos.

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Poluição e lixo em terreno. Foto: 24Novembers/shutterstock.com

Na avaliação da senhora, a indústria tem cumprido sua parte da Política Nacional de Resíduos Sólidos no que diz respeito à logística reversa?

Na minha avaliação, o Acordo Setorial de Embalagens em geral foi um desastre do ponto de vista de construir um modelo sustentável de gestão de resíduos sólidos e envolver todos os atores, em especial a sociedade organizada e os municípios. Estamos muito distantes de reduzir as enormes quantidades de embalagens e produtos que estão sendo encaminhadas aos aterros sanitários no país.

Diferentemente de sua postura em outros países, a forma como a indústria brasileira conduz a logística reversa não contribui com o incentivo a uma produção de embalagens mais sustentável e torna os catadores de materiais recicláveis – que são os atores mais vulneráveis – reféns da indústria e dos poucos recursos financeiros investidos na área. A indústria investe quanto, quando e onde quer, independentemente de sua produção e dos impactos causados pelos seus resíduos.

E sobre as políticas públicas em vigor no Brasil? Estão a contento?

Estamos num momento de retrocesso em termos de políticas públicas, incluindo as de resíduos sólidos. Vivemos sob o comando de um presidente sem legitimidade e de um Congresso cuja maioria está comprovadamente a serviço do mercado. Isto é preocupante na medida em que o fortalecimento das organizações de catadores foi uma construção que se deu a partir de políticas públicas e que delas ainda não podem prescindir. A Política Nacional de Resíduos Sólidos foi abandonada e está em risco frente às pressões dos lobbies de incineração de resíduos.

O Plano Nacional de Resíduos Sólidos está sendo revisto sem nem ter sido aprovado, e poucos Planos Municipais de gestão de resíduos sólidos estão sendo implementados. Sem ser pessimista, mas sendo realista, o momento não é favorável.

A senhora já declarou que não devemos mais chamar os resíduos de “lixo”. Isso não dificultaria ainda mais o entendimento e conscientização da sociedade?

Na minha opinião não, e argumento que não é apenas uma questão de palavras, mas de valores, conceitos e preconceitos que estão por trás das palavras que usamos e das nossas ações. Nós produzimos resíduos, e não lixo. Estes resíduos são bens, têm valor econômico e promovem trabalho e renda, como bem diz a nossa Política Nacional de Resíduos Sólidos.

Precisamos saber como estes resíduos são extraídos, manufaturados, transportados, consumidos e descartados. Continuar a chamar de lixo, que é associado àquilo que não tem valor, que não presta, não contribui para a mudança de valores e de cultura e para o entendimento dos processos. Quando falamos que um dirigente, uma situação ou algo são “um lixo” sabemos muito bem o que queremos dizer e não tem a ver com resíduos.

 “Sem ser pessimista, mas sendo realista, o momento (atual dos resíduos) não é favorável”

A Política Nacional de Resíduos Sólidos cita a responsabilidade compartilhada sobre os resíduos. O consumidor, a indústria e o poder público devem ser responsabilizados. Esta já é uma realidade em nosso país?

Infelizmente, não. E ainda estamos muito distantes disso. Ninguém está sendo responsabilizado adequadamente por nada. Nem o cidadão, quando não separa seus resíduos, mesmo quando existe coleta seletiva municipal, nem os municípios, que estão empurrando com a barriga o fechamento dos lixões. Menos ainda o setor privado que lucra com as embalagens e produtos, mas não dá transparência sobre as quantidades de resíduos que produz e os custos de evitar sua destinação aos aterros sanitários e lixões. E muito menos o Governo Federal, que até o presente momento não aprovou um Plano de Gestão de Resíduos para o país.

Como melhorar a adesão e o engajamento da sociedade?

Esta é a pergunta que não quer calar e a mais difícil de responder. Os países que melhoraram a adesão e engajamento e conseguiram redução de geração de resíduos, como por exemplo a Alemanha, se utilizaram de instrumentos legais e econômicos. No Brasil, ambos não estão sendo utilizados de forma eficiente. Embora tenhamos uma Política Nacional de Resíduos Sólidos moderna e promissora, sua implementação não está sendo alavancada pelos governos, pela indústria e pela sociedade.

Sou defensora da cobrança de tarifas ou taxas reais para a gestão e gerenciamento dos resíduos sólidos enquanto instrumento econômico, que comprovadamente nos EUA e nos países europeus levou à consistente redução na produção de resíduos e que possibilitaria aos municípios executar uma coleta seletiva eficaz e com remuneração justa dos catadores de materiais recicláveis.

 “A forma como a indústria brasileira conduz a logística reversa não contribui com o incentivo a uma produção de embalagens mais sustentável”


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