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Neste banco a moeda é tecido

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Banco de Tecidos na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo. Foto: Marcelo Martins

Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo. Um bairro repleto de contrastes, em que comunidades e moradores de rua se misturam a condomínios de classes média e alta, além do comércio. Em meio a esse cenário um galpão com fachada nas cores vermelho e roxo chama atenção.

Na entrada é possível ver uma estante composta por sapatos, bolsas, nécessaires, rolos de lã, potes com botões e tecidos expostos - tudo muito colorido e estampado, seguido de uma cortina voal branca. Logo atrás encontramos um galpão de 200 m² repleto de tecidos coloridos, dos mais diversos tipos e cores: seda, lycra, malha, sintético, natural, corino, tecidos brilhantes e com paetês.

O local abriga o chamado Banco de Tecido, um lugar em que as pessoas podem depositar, trocar e comprar tecidos, velhos ou sem utilidade, esquecidos no armário de casa. Ele funciona de duas formas. O cliente pode comprar os tecidos - o que nesse caso precisa ser pelo menos meio metro –, pesar e pagar pelo quilo do material, no valor de R$ 50 o quilo. Ou se preferir é possível virar um “correntista”: a pessoa deposita qualquer tipo e quantidade de tecido no Banco, gerando créditos para a troca por outros.

Atualmente são 700 “correntistas” que participam dessa iniciativa promovida pela figurinista e cenógrafa Lu Bueno, de 48 anos, proprietária do banco. Ela decidiu começar o negócio após ter a necessidade de descartar 800 quilos de sobras de tecidos, acumulados ao longo de pelo menos 20 anos de carreira.

“Todo mundo me pergunta: como você teve essa ideia? E eu digo que eu não tive ideia nenhuma, o banco que me pegou. Qual é o maior valor disso? Estimular a circulação e ter um lugar em que você possa trocar sempre as suas sobras”, conta.   

O projeto teve início em 2013 com uma página das redes sociais, hoje com 13 mil seguidores, e virou negócio, com loja física, dois anos depois. O investimento inicial foi de R$ 4 mil reais. Há dois meses, o banco precisou mudar para uma nova sede, também no bairro da Vila Leopoldina, para acomodar melhor os clientes e os produtos. A capacidade de armazenamento aumentou de 1,5 para 2 toneladas. O espaço é compartilhado com outras duas empresas – uma produtora de cestas de produtos orgânicos e outra de locação de objetos para cinema.

Apesar de ser moradora da região, a aposentada Deolinda Broca, de 81 anos, não conhecia a loja. Ela costuma costurar para a família e possui caixas de tecidos comprados em demasia que não foram utilizados. “É ótima ideia, porque a gente não sabe o que fazer com o excesso. É uma maneira de economizar e de dar o destino correto para o material”. 

O Banco de Tecidos fatura atualmente R$ 15 mil reais por mês e até o meio do ano pretende trabalhar com e-commerce. “Não vivo disso ainda. O negócio se paga. A ideia é justamente passar para um próximo patamar, para que o negócio consiga pagar a estrutura, os funcionários e a mim. Eu continuo trabalhando com cenografia e figurino”, explica Lu.

Quem são os correntistas

Os clientes são diversificados: costureiras, estudantes de moda, roupas para pets, marcas de sapatos e roupas veganas, pequenos empresários do ramo e moradores da região que gostam de costura.

“Os clientes chegam para comprar um tecido e descobrem a sustentabilidade, quando entendem de fato o que é o projeto. Aqui ele encontra um tecido de segunda mão - que iria para o aterro sanitário - e que nós seguramos pelo menos um ciclo antes de ir para outro lugar”, explica.

A empresária Ariane Breyton, de 55 anos, é frequentadora assídua da loja. Ela costura por hobby e costuma utilizar os tecidos para confeccionar cortinas, toalhas de mesa e bolsas para presentear os amigos, parentes e vizinhos do bairro. “Apoio totalmente a ação, porque aquele tecido que eu não gosto ou está mofando em casa vai fazer a alegria de outro. Eu acho interessante tudo o que a gente puder reciclar na vida, não só tecido”.

A preocupação de Ariane com o meio ambiente vai muito além dos tecidos. A reciclagem faz parte de sua vida e de toda a família há mais de vinte anos. “Hoje eu sou a rainha do minhocário, e dou minhocário de presente para todo mundo. As pessoas acham que é fedido, dá bicho e que precisa de espaço, mas existe uma versão pequena que se adequa totalmente a apartamentos, por exemplo. Agora aquela salada murcha que eu jogava no lixo, vai tudo para o minhocário.  A gente tem que cuidar desse planeta que está em maus lençóis”, ressalta.

Somente em 2018 o Banco de Tecidos enviou para a reciclagem cerca de 600 quilos de mini retalhos. Uma média de 100 quilos por mês. “O cliente chega aqui pelo valor monetário e leva sustentabilidade. E quem vem pela sustentabilidade, leva o valor monetário”, conta Lu Bueno.

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Sobrou um pedaço de tecido? Destine corretamente. Foto: Marcelo Martins

O mercado da moda e o meio ambiente

Cerca de 80 bilhões de peças de roupas novas são comercializadas por ano em todo o mundo. O mapa da produção mundial começou a mudar na década de 1980, saindo dos Estados Unidos, Europa e Japão para países emergentes da Ásia e, mais recentemente, leste europeu, norte da África e Caribe. A Ásia é responsável por cerca de 73% do volume total produzido no mundo, com destaque, por ordem, para: China, Índia, Paquistão, Coreia do Sul, Taiwan, Indonésia, Malásia, Tailândia e Bangladesh.

Segundo dados da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), principal entidade representante do setor no Brasil, o país é o quinto maior produtor de vestuário e está entre um dos principais mercados têxteis do mundo. Por ano, são produzidas 5,9 bilhões de peças, dentre vestuário, meias e acessórios de cama, mesa e banho.

A indústria da moda está envolvida em um paradoxo, que pode ajudar a refletir e repensar sobre as nossas verdadeiras necessidades de consumo dos tempos atuais. Ao mesmo tempo em que houve queda mundial do número de vezes que uma roupa é utilizada, as vendas do setor dobraram entre 2000 e 2015.

Esta é a conclusão do estudo “A new textiles economy: Redesigning fashion’s future” (Uma nova economia para o setor têxtil: redesenhando o futuro da moda), que saiu no final de 2017 e foi produzido pela Ellen Macarthur Foundation.

Segundo a publicação, altos montantes de recursos não renováveis são aplicados para produzir roupas que, em um curto período, serão descartadas e mandadas para o aterro sanitário ou incineradas.

Um agravante nesse cenário é que alguns tipos de roupas soltam microfibras plásticas, das quais cerca de meio milhão de toneladas todo ano contribuem com a poluição dos oceanos.

A indústria têxtil do Brasil em números anuais:

– Faturamento: US$ 45 bilhões

– Investimento: R$ 1,9 bilhão

– Produção têxtil: 1,7 milhão de toneladas

– Produção de confecção: 5,9 bilhões de peças, dentre vestuário, meias e acessórios de cama, mesa e banho

Fonte: Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção) – Dados 2017

Slow fashion

Na busca de alternativas para a diminuição dos impactos ambientais, marcas brasileiras ou os chamados “novos criadores da moda”, como se autodenominam os novos estilistas, vêm se inspirando no conceito de slow fashion, um movimento sustentável do mundo da moda, com enfoque na consciência socioambiental com produções em pequena e média escala.

A responsabilidade em relação à redução do desperdício de tecidos fez com que os amigos e estudantes de publicidade Lucca Cattani, de 20 anos e Fábio Triguetti, de 22 anos, chegassem até o Banco de Tecidos. Há três anos eles decidiram investir no ramo de confecção e vendas de peças slow fashion online, um modelo de negócio que eles chamam de “personalizado”, em que a pessoa “mergulha” no processo de confecção das peças. “Quando falamos de uma marca hoje, pensamos no nome da marca e o que ela representa. Não pensamos no processo do qual ela participou, quem está envolvido nesse processo, como ele funciona, as vidas que estão envolvidas em tudo isso”, ressalta Lucca. 

“Nosso conceito tenta trazer vida às camisetas. É importante saber quem costurou, quem desenhou, de onde veio o tecido.  Não queremos que a pessoa simplesmente compre uma modelagem pronta, mas, sim, que ela saiba quem participou do processo como um todo”, diz Fábio. Eles sempre estiveram envolvidos em causas sociais, principalmente na cidade de São Carlos, onde nasceram.

“Queremos conscientizar as pessoas a pensarem na preservação do meio ambiente, na preservação dos recursos humanos”, diz. 

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No Banco de Tecidos a ideia é cortar o desperdício. Foto: Marcelo Martins

Parcerias

Durante os três anos de atuação, o Banco de Tecidos despertou o interesse de outras instituições em outras regiões do país preocupadas com a sustentabilidade. O Banco já tem parceiros em Curitiba e Porto Alegre. ”Existe um valor pelo uso de marca e mantemos o sistema online para cadastramento dos ‘correntistas’. As lojas são independentes, mas têm que seguir os mesmos princípios da loja de São Paulo”, informa Lu.

Preocupada com a preservação dos recursos naturais e a diminuição dos impactos ambientais, Lu Bueno vem articulando diversas iniciativas em torno do tema. “O bairro tem a alma do banco. Aqui há vários grupos de reconstituição de praças e de vielas. Lugares que eram pontos de drogas hoje são utilizados para lazer. Esse também já é o terceiro ano que participamos da virada sustentável”, comenta.

Em outra frente, a empresária vem articulando uma ideia junto à Prefeitura de São Paulo para a colocação de PEVs (Ponto de Entrega Voluntária) para coletar material têxtil.

“Seria um teste, porque hoje a gente tem um problema com os pequenos e médios produtores, que não têm como descartar o têxtil. Esse é um problema grave. Temos que achar dentro dos meios públicos parcerias e soluções. Uma atitude como essa não resolve tudo, mas é um modelinho que pode ser replicado depois”.

Na visão da empresária a educação da população e as iniciativas do poder público são dois pilares fundamentais para que a engrenagem funcione. “É muito simples: não desperdice. É um projeto sustentável que eu estou cuidando, não só de mim como dos meus filhos, dos meus pais, do bairro. Enquanto não tivermos um bom olhar para a educação no país vamos continuar gerando ignorantes”, conclui.

Saiba onde encontrar o banco de tecidos:

São Paulo
– Lupa
Endereço: R. Aliança Liberal, 1012 V. Leopoldina
Funcionamento: de segunda à sexta-feira - das 9h30 às 18h

Tel. (11) 4371-3283 

Curitiba
– Farrapo
Endereço: Al. Julia da Costa, 102
Funcionamento: de segunda à sexta-feira - das 14h às 20h

Tel. (41) 99256-5934 

Porto Alegre
– Costura Livre
Endereço: Rua São Carlos, 765 – Floresta
Funcionamento: Terças e Quintas-feiras -  das 14h às 19h

Tel. (51) 99432-7161


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