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Resíduos sólidos não são prioridade dos administradores

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Carlos Silva Filho. Foto: Divulgação

Há quatro anos no comando da ABRELPE (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais), principal entidade do setor, Carlos Silva Filho é referência no que tange a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Para o especialista, que também ocupa o cargo de vice-presidente da ISWA (Associação Internacional de Resíduos Sólidos), a gestão de resíduos sofre pela falta de uma política mais consistente nas três esferas (municipal, estadual e federal). “Não é uma prioridade na agenda dos administradores públicos”, aponta.

Silva também destaca a falta de uma fonte de recursos específica para administrar a questão e defende a implementação do que chama de “sistema de remuneração dos serviços” por meio do qual o cidadão é cobrado de acordo com a quantidade de lixo que produz.

Para ele, a mudança de comportamento da população a respeito da geração de resíduos é fundamental, por isso defende um processo intenso de informação e conscientização. “É necessário que comece desde a infância, com orientação. Isso precisaria ser incluído no programa educacional”.

Confira a entrevista na íntegra:

Como surgiu a ideia de criar o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, em 2003?

A ABRELPE foi fundada em 1976 e atuou na promoção do desenvolvimento do setor. Sentíamos a necessidade de ter uma base de dados, a ideia de uma visão geral do setor para, além de conhecer a situação, poder orientar melhor os investimentos e a atuação das próprias empresas que são associadas. Então, no fim de 2002, surgiu a ideia de lançar uma primeira edição do Panorama, que na verdade era uma compilação dos dados existentes. Naquele momento, o que a gente pegou foram fontes secundárias. Compilamos, tratamos a informação e a partir daí a gente fez a publicação.

No decorrer do ano seguinte, nós percebemos que não daria para continuar usando fonte secundária, porque os dados não tinham uma atualização periódica e, num determinado momento, a publicação seria inviabilizada. Iniciamos o processo atual a partir da edição do Panorama de número cinco, em que começamos a fazer a pesquisa para levantar dados e complementar o material. E, desde então, temos publicado anualmente, a partir da pesquisa direta da ABRELPE junto aos municípios, para manter atualizados esses dados e trazer uma melhor visão do setor, que é tão carente de recursos.

De acordo com o último Panorama dos Resíduos Sólidos, de 2016, cerca de 7 milhões de toneladas de resíduos não foram coletados para reciclagem, sendo encaminhados para aterros controlados ou lixões. Isso evidenciou uma queda de 58,7% (2015) para 58,4% (2016) na destinação correta do lixo. A que o senhor atribui isso?

Na verdade, foi exclusivamente em virtude da crise econômica que afetou o Brasil. A gente tem realmente este problema em que a recessão afetou diretamente o poder aquisitivo da população que, consumindo menos, acabou também gastando menos.

O senhor acha que um dos motivos para a queda do setor foi o fato de as prefeituras não encaminharem a quantidade devida para a destinação correta?

Por conta dessa crise, as prefeituras também tiveram problemas de recursos e acabaram tendo que cortar despesas. E, infelizmente, o setor de resíduos sólidos acaba sendo um dos primeiros afetados.

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Lixo descartado de forma incorreta. Foto: Peter Gudella / shutterstock.com

Ainda segundo o levantamento, 81 mil toneladas de resíduos urbanos são destinadas incorretamente por dia, gerando danos à saúde de quase 100 milhões de brasileiros. Por que as prefeituras ainda priorizam setores como educação, saúde e segurança e deixam a gestão dos resíduos de lado – mesmo que ela impacte diretamente na saúde?

Porque ainda não tem uma percepção da população, da sociedade, sobre a importância e os impactos da má gestão de resíduos sólidos.  A partir do momento em que eu coloco o saco de lixo na porta de casa, não tem mais dificuldade, não preciso mais me preocupar. E é muito pelo contrário, porque é aí que começam os problemas.

A má gestão de resíduos traz esse papo negativo que ouvimos de mais de 78 milhões de brasileiros – e que são afetados – de que eles procuram posto de saúde, tomam uma série de medicamentos, acabam perdendo o dia de trabalho, e deveriam zelar por isso. E isso, a gente percebe, não é uma prioridade na agenda dos administradores públicos, então acaba que, realmente, outras ações são priorizadas e os resíduos sólidos urbanos acabam ficando em segundo plano.

“É preciso instituir um sistema de remuneração em que o cidadão pague conforme ele gera”

Além do Panorama dos Resíduos Sólidos, quais outros projetos da ABRELPE visam a conscientizar empresas e munícipes?

Além do Panorama, que é nossa publicação anual, temos uma revista bimestral com notícias, novidades e tendências do setor, que é a ARES. Temos também a publicação do Manual de Boas Práticas na Gestão de Resíduos Sólidos para orientar o poder público, principalmente municipal, no sentido de fazer o planejamento adequado. Fizemos também, em parceria com o SEBRAE, um manual de orientação para elaboração dos planos de gerenciamento de resíduos nas indústrias, porque essa é uma obrigação da lei. E temos várias outras publicações. Por exemplo, voltado à questão de resíduos orgânicos, lançamos no ano passado um manual de compostagem para escolas, para que as sobras das merendas possam ser passadas por compostagens e para que esse composto, esse adubo, seja aplicado nos jardins das escolas.

Temos atuado em várias frentes para justamente mostrar as possibilidades de aprimoramento da gestão de resíduos que estejam alinhadas à realidade brasileira, considerando ainda que nós não temos esses recursos disponíveis. São ações de baixo custo, mas com impacto positivo, seja numa melhoria da gestão do resíduo, seja numa exoneração do sistema de limpeza urbana, porque tem muito material que é descartado e vai para os destinos finais, que poderia ser separado na fonte.

De que forma o Brasil pode tirar a PNRS do papel?

O primeiro passo seria, justamente, trazer o tema como prioridade na agenda de política pública nas três esferas: município, estado e união federal. Precisamos realmente que esse tema esteja presente, seja por esse lado que acabamos de comentar – que a má gestão traz impactos negativos na saúde das pessoas e no meio ambiente – seja pelo lado em que a má gestão de resíduos sólidos acaba desperdiçando um volume considerável de recursos, que poderia ser aproveitado e fazer girar ainda mais a economia. 

O segundo ponto para tirar a Política Nacional de Resíduos Sólidos do papel passa, de uma maneira indispensável, pela necessidade em termos recursos específicos aplicados no setor. Hoje, o custeio da gestão de resíduos sólidos não tem uma fonte de recursos específica, depende muito do orçamento municipal, que já é muito comprometido. Precisamos ter uma fonte de recursos, um sistema de remuneração dos serviços, para garantir que as ações previstas na lei sejam realmente implementadas.

Falando sobre esses recursos específicos, o senhor já declarou que “nós não vamos avançar na gestão de resíduos sólidos no Brasil se não houver um instrumento de remuneração dos usuários”. O munícipe realmente precisa pagar mais um imposto? As prefeituras não deveriam distribuir melhor seus orçamentos e contemplar a gestão dos resíduos de forma adequada?

Isso não funciona em nenhum lugar do mundo. Todas as cidades que têm uma gestão adequada de resíduos sólidos contam com um sistema de remuneração. Nós não estamos falando nem de imposto, nem de taxa, mas de um sistema de remuneração como já existem em outros serviços públicos, como o abastecimento de água, tratamento de esgoto, como a tarifa do transporte público. Pode ser um serviço subsidiado pelo orçamento municipal? Pode. E vamos dizer que em vários casos até deve. Mas é preciso instituir um sistema de remuneração em que o cidadão pague conforme ele gera.

Com isso, você tem uma melhor prestação de serviços, uma justiça tributária – porque quem gera mais, paga mais e quem gera menos, paga menos – e você estimula até mesmo o cidadão a fazer uma melhor preparação de resíduos dentro de casa para evitar a geração. Você traz menos impacto para o serviço público e menos impacto para o meio ambiente.

É uma medida superpositiva. O tema é um tanto quanto polêmico, porque foi distorcido ao longo dos anos, mas nós precisamos enfrentá-lo de uma maneira transparente, para mostrar que, enquanto não houver sistema de remuneração, o setor não vai avançar. Os impactos são bastante consideráveis e acaba que todo mundo paga uma conta que não é inteligente.

“O primeiro passo seria, justamente, trazer o tema como prioridade na agenda de política pública, nas três esferas: município, estado e união federal”

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Lixo jogado no chão. Foto: Ioan Panaite / shutterstock.com

Aqui em São Paulo essa taxa foi fortemente rejeitada, certo?

Na elaboração do projeto, na aprovação da lei que intitula a taxa, não houve trabalho de comunicação e explicação para a população. Foi enviado o projeto para a Câmara, que aprovou e ele foi instituído. Ou seja, o pessoal começou a receber o encargo em casa sem nem saber do que se tratava. A gente precisa justamente mostrar, a partir do momento que institui um sistema desses, para que ele serve, de que forma será feita essa remuneração, onde os recursos serão aplicados, quais serão as melhorias que a população vai sentir, etc.

Existem vários casos práticos que mostram justamente o seguinte: quando o poder público consegue demonstrar que a população vai pagar de uma maneira transparente e objetiva um serviço público, conforme ela mesmo usa esse serviço, não existe tanta oposição. Você demonstra que, com isso, exonera o orçamento público e constrói novas escolas, hospitais, programas culturais e esportivos, que estão tudo na responsabilidade do município.

A logística reversa já está totalmente contemplada em algum município? O que é preciso para avançarmos nesse sentido?

Não, infelizmente a logística reversa é responsabilidade do setor industrial e ainda não houve engajamento e comprometimento para sua implementação plena. A gente vê muitas iniciativas já em curso, iniciativas bastante importantes, mas nenhuma que realmente aplicou o conceito da lei na sua totalidade em alguma cidade.

Para avançarmos, precisamos realmente estabelecer algum sistema em que haja participação de todos os atores da cadeia. Por exemplo, hoje, os modelos que existem são aqueles que privilegiam uma ou outra temática, mas não envolvem todas. A gente não tem sistema de logística reversa ou recurso que envolva justamente o serviço de limpeza urbana e resíduos sólidos urbanos municipais, que estão a cargo das prefeituras e que foram deixados de lado. É importante que realmente haja esse engajamento.

Nós precisamos, também, fazer uma melhor comunicação para o cidadão sobre seu real papel, que começa no momento do consumo do produto: se ele já tem a ciência de que o que está consumindo está abrangido por algum sistema de logística reversa, que será coletado fisicamente e reaproveitado, ou se é de alguma linha que vai direto para uma disposição final. Essa comunicação para o consumidor também é muito importante.

O senhor poderia destacar algumas iniciativas da ISWA que deram certo fora do país e que poderiam ser implementadas no Brasil? E por que o senhor acha que essas ações não são realizadas aqui?

A gente tem primeiro a campanha mundial pelo fechamento dos lixões, que foi lançada para enfrentar esse problema no mundo todo e tem ganhado uma repercussão muito grande e trazido resultados concretos, porque traz o passo a passo para se conseguir fechar o lixão. O Brasil ainda tem 2.976 lixões espalhados em todos os estados. É uma receita que está pronta e já se mostrou bem-sucedida, e que poderia ser aplicada aqui.

Alinhada a esse projeto, nós temos a iniciativa de retirar as crianças que trabalham em lixões. Enquanto não se consegue fechar o lixão, poderia ser criado um projeto que tire as crianças que hoje estão trabalhando e que as coloque nas escolas, de forma a dar um futuro mais digno. São duas ações muito efetivas e a gente consegue implementar aqui.

E um outro projeto que seria muito importante de começar a ser olhado pelo Brasil é o projeto de prevenção do lixo marinho, porque, em um relatório recente da ISWA, foi mostrado que 80% desse lixo é fruto de má gestão de resíduos na cidade. Não adianta a gente querer limpar os oceanos se não trabalhar o problema na fonte, realmente evitar que esses materiais cheguem nos rios – e, por consequência, nos oceanos. É algo muito importante e que daria um efeito positivo na qualidade de vida considerável.

Por que você acha que essas ações não são realizadas aqui no Brasil?

A falta de recursos é realmente algo que acaba afetando e outro problema é justamente esse engajamento da população. A população é muito distante, muito alheia, sem uma gestão de recursos sólidos aqui no país. A gente precisa realmente engajar esse cidadão, trazê-lo, convidá-lo a ter um papel proativo e mostrar os benefícios dessa atitude para ele.

Muitos especialistas acreditam que um dos maiores problemas na gestão do lixo é o “culto ao descartável”. O senhor concorda?

Sim. Esse é um dos principais problemas, diria um dos maiores desafios, que nós temos na gestão de resíduos. Porque você tem aí a questão do modo atual de produção. O processo produtivo atual é um que privilegia muito o descartável e, para você mudar isso leva muito tempo e acontece, normalmente, por conta de uma pressão social.  

Enquanto o cidadão não se conscientizar do seu papel e continuar da mesma forma de hoje – consumindo o descartável de maneira desenfreada – não vai haver estímulo para essa mudança acontecer nem em curto, nem em médio prazo.

Como o senhor acha que poderia ser feita essa conscientização da população?

Primeiro, é preciso começar desde a infância, com orientação. Isso precisaria ser incluído no programa educacional. A partir do momento em que a criança tem essa orientação, ela cresce de uma maneira mais conscientizada, mais capacitada. Por outro lado, é preciso criar incentivo para materiais que sejam recuperáveis, para materiais que sejam recicláveis, em detrimento daqueles que sejam puramente descartáveis. É preciso desenvolver política pública no sentido de privilegiar o que é certo e ponderar aquilo que não é ambientalmente mais aplicável.


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