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Casa do Catador aposta em empreendedorismo e olhar empresarial

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Foto: Thiago Mucci

A Cooperativa Casa do Catador tem apenas dois anos e meio de vida, mas 20 anos de história. A aparente contradição é facilmente explicável: como outras iniciativas no campo da reciclagem, a origem da Casa se deu nos anos 1990 de maneira informal por um grupo de carrinheiros que morava no Jardim Eliane, uma favela da zona Leste, na região da Penha.

Liderados por Nanci Darcolet, eles perceberam que se conseguissem juntar as sucatas e materiais recolhidos ao longo do dia num terreno, obteriam melhores preços nas vendas.

“Foi um começo duro porque trabalhavam na lama, sem máquina, e sem apoio público”, diz o atual presidente da Casa, Gilberto de Oliveira Moura Silva. “Hoje, vivemos no céu perto daquela época”.

Aos 33 anos, genro de Nanci, ele está há 9 no ramo. Pegou a fase que apelida de casca-grossa, quando os rejeitos eram separados manualmente, e ajudou a sogra a montar o que seria a futura cooperativa, fundada, oficialmente, em 2016.

Até então, o grupo inicial de catadores havia criado a Associação dos Catadores do Jardim Ipanema (área contígua ao Jardim Eliane) e se engajado no Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis. Depois do primeiro terreno, um galpão chegou a ser alugado ao preço de R$ 6 mil, o que dificultava muito a vida dos catadores.

Como outras cooperativas irmãs, a Casa recebeu incentivos públicos para ser fundada. Hoje, ocupa um galpão e um prédio inaugurados em 1987 pelo ex-prefeito Jânio Quadros (1977-1992) para ser uma usina de compostagem. Localizado na Estrada da Fazenda do Carmo, 450, o imóvel estava abandonado, com duas esteiras deterioradas.

Partiu da cooperativa a ideia de usá-lo. “A Prefeitura não teria como fornecer todos os equipamentos para que ocupássemos o lugar e eu disse que faria, destas duas esteiras, uma que funcionasse”, lembra Gilberto.

“Toparam o desafio, deu certo e estamos com ela até hoje.”

A Casa processa mensalmente de 90 a 100 toneladas de resíduos, com um contingente de 43 cooperados em turnos semanais de 40 horas. A renda média, em meses bons, chega a R$ 1.500,00 para cada cooperado. “Mas, se fecharmos no vermelho, todos saem pelo menos com o salário mínimo (R$ 954) garantido.”

Sem coitadismo nem dependência

Considerando-se de uma segunda geração de catadores, Gilberto de Oliveira ostenta um perfil diferenciado. Primeiro, reconhece a importância de uma política pública municipal de incentivo ao cooperativismo, mas diz que a categoria não pode depender dela.

“Isso aqui tem que ser visto como uma empresa que seja autossustentável”, diz o presidente. “Nós vemos os catadores como uma categoria profissional que deve ter um olhar empreendedor. ”

Ele condena o que chama de “coitadismo” – a visão de parte dos profissionais de se colocar como vítima para obter vantagens. “Isso é uma postura antiquada que temos que acabar e acho que estamos conseguindo”, avalia.

A visão mais liberal – portanto, mais distante de uma dependência estatal – de Gilberto talvez tenha a ver com sua formação. “Trabalhei como cozinheiro e vigilante e sempre tive iniciativas para complementar renda.”

Gilberto se converteu à reciclagem quando conheceu a esposa. “Para a maioria das pessoas, e eu tinha também esta visão, mexíamos com lixo”, diz.

“Mas minha sogra sempre disse, e eu aprendi, que não é lixo, e sim materiais que podem ser reaproveitados para que não haja danos ambientais, o que faz da nossa categoria algo muito útil à sociedade.”

Depois de nove anos de aprendizado, chegou à presidência da Casa do Catador há poucos dias. Passou a adotar um perfil de gestão que tenta conciliar o apoio público (70% do material vendido pela cooperativa é proveniente da coleta seletiva) com um arrojo privado. “Nós temos parcerias com ecopontos e operamos a coleta seletiva, com nossos cooperados, por meio de um caminhão alugado pela prefeitura e com veículos nossos, o que nos permite arrecadar o restante.”

A indústria deve ser cobrada

A visão liberal não o impede de recorrer a lei quando fala em logística reversa. Cita a responsabilidade industrial, não cumprida em se tratando de alguns resíduos.

É o caso do pet laminado, usado em garrafas de leite, para o qual não há mercado e que muitas cooperativas dispensam em aterros, segundo Gilberto. “Aqui, eu tenho sete toneladas empilhadas e vou convencer a indústria, com base na lei, a dar a destinação correta a isso”, explica. “Uma hora, vamos conseguir que eles cumpram sua obrigação e nos paguem alguma coisa, nem que seja um valor simbólico.”

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Gilberto de Oliveira Moura Silva, presidente da Cooperativa Casa do Catador. Foto: Thiago Mucci

Jovens e presidiários

O presidente é uma pessoa de fala tranquila, mas diz ser duro quando não há cumprimento de regras – o que permite, pelo marco legal que regula o cooperativismo, o desligamento de um associado quando ele, por exemplo, falta muito ao trabalho.

Apesar da necessária rigidez, a Casa tem portas abertas aos excluídos e marginalizados. “As cooperativas podem ser encaradas como a última oportunidade – ou primeira, dependendo do ponto de vista – de algumas pessoas voltarem ao mercado”, explica Gilberto. “Quem daria oportunidade, por exemplo, a um ex-presidiário”, questiona.

Dos 43 cooperados, há jovens com passagens pela Fundação CASA ou pelo sistema carcerário. Um deles nem é tão jovem. O sul-africano Nicolaas Hoffman, de 51 anos, ficou nove anos preso por tráfico internacional.

“Saí da cadeia e vim para cá”, diz Hoffmann, que, ainda arrastando o português, não pensa em voltar a morar em Johanesburgo, onde nasceu.

“Tenho família aqui e aprendi que este trabalho é importante.”

Uma história parecida viveu David Santanna, de 29 anos, nove dos quais vividos no sistema prisional por tráfico de drogas. “Como gerente de boca de fumo, chegava a ganhar R$ 7 mil por mês, mas aqui aprendi que mais vale ganhar pouco honestamente do que perder a liberdade.”


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