04 de Abril de 2019,19h35
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Foi em clima de festa que Ricardo de Brito, 46, chegou à Subprefeitura de São Mateus. Ao lado de seus colegas, moradores do 16º Centro Temporário de Acolhimento (CTA), em Guaianazes, zona Leste de São Paulo, o rapaz estava ali para receber o seu primeiro diploma na área da reciclagem, em virtude da sua participação no Curso de Formação Básica de Catadores(as) de Materiais Recicláveis. O certificado, emitido pela Fundação Instituto de Administração (FIA), faz parte do programa Reciclar para Capacitar, iniciativa da Autoridade Municipal de Limpeza Urbana (Amlurb) em parceria com a Prefeitura de São Paulo.
Nascido na capital, Ricardo já foi porteiro, limpador de piscina, fez curso de primeiros-socorros e até de bombeiro. Mas foi o desemprego que o levou para as ruas, e consequentemente, para as drogas. “Eu não tive mais condições de pagar o aluguel, isso dilacerou também a minha família”, afirma. A situação de rua e a falta de endereço fixo agravaram o retorno ao mercado de trabalho. Por isso, há um ano e meio Ricardo resolveu catar latinhas para sobreviver. “O dinheiro não vinha em grande quantidade, mas o pouco se tornou muito”, conta.
Hoje, com o apoio psicológico e social que recebe no CTA e no Centro de Apoio Psicossocial (CAPS), ele sonha com a criação de uma cooperativa em Guaianazes. “O lixo mudou a minha vida. Com a reciclagem, estou tendo a chance de começar de novo. Ocupo minha mente e agora tenho uma nova oportunidade”, afirma ostentado um sorriso largo.
A trajetória de Ricardo se mistura a pelo menos outras 120 histórias dos formandos das três turmas de São Mateus presentes no evento.
“Vocês são os anjos da guarda da capital no que diz respeito aos resíduos sólidos. São Paulo precisa de vocês agindo como guardiões desta cidade”, afirmou Edson Tomaz de Lima Filho, presidente da Amlurb, durante o evento.
A fala foi endossada pelo subprefeito de São Mateus, Roberto Bernal, que ressaltou a importância do reconhecimento desses trabalhadores e a relevância da ação para a capital. “Estou orgulhoso. Esse programa veio para resolver grande parte do problema que a gente enfrenta na nossa região, que é o lixo”, disse.
Hoje, a cidade de São Paulo conta com cerca de 10 mil catadores que vivem na informalidade puxando carroças e sendo vítimas de preconceito e baixíssimos salários. Para ajudar a transformar a realidade dessas pessoas, o Reciclar para Capacitar oferece cursos e aprendizado. "Quando ele vira um cooperado, passa a contar com o auxílio da Prefeitura, porque as cooperativas recebem água, luz, assistência e espaço favorável para a separação dos materiais. Além disso, todo o resíduo coletado na cidade vai para as cooperativas e isso aumenta a produção do catador", explica o engenheiro Túlio Barrozo Rossetti, gerente de Informação e Pesquisa da Amlurb.
Ainda de acordo com Túlio, o interessante é estimular o cooperativismo, fazendo com que os catadores entendam a importância de não serem mais “avulsos” nas ruas. “Todo resíduo que a cooperativa separa e vende se torna lucro para eles, repartido entre os cooperados. Na rua, se o catador ficar doente e não puder coletar seu resíduo, ele perde aquele dia de trabalho e consequentemente aquele dinheiro. Isso não acontece na cooperativa, lá existe a garantia da matéria-prima para trabalhar”, explica.
A formalidade traz mais do que benefícios financeiros. “Fui muito humilhada na rua. Você está lá, abre uma sacolinha para separar o seu material, e as pessoas já olham para você com nojo”, conta Lurdes Pereira Gomes, 58. Com apenas 18 anos, a jovem saiu do Ceará com destino à São Paulo em busca de uma vida melhor, mas não foi o que encontrou. “Eu sofri muito aqui. Saí da casa de família e fui trabalhar em um motel, foi quando consegui alugar um espacinho para viver”, conta.
O falecimento precoce do marido em decorrência do alcoolismo gerou ainda mais solidão e problemas financeiros. Com a tarefa de sustentar os três filhos pequenos, Lurdes reuniu forças para seguir em frente. Há mais de 25 anos trabalhando como catadora, conta que seu primeiro mês em uma cooperativa lhe devolveu a esperança. “Fiquei maravilhada, nem acreditava no dinheiro que tinha ganhado ali, fruto do meu esforço”, relembra emocionada.
Hoje, parte da cooperativa Casa do Catador, Lurdes sente que sua história lhe rendeu aprendizado e aperfeiçoamento no ramo. “Eu sei separar o resíduo só de pegar no material, conheço os nomes técnicos. É muito tempo envolvida nisso”, conta. “Hoje, tenho condição de pagar um aluguel decente. Tenho orgulho de dizer que meus filhos são fruto do sustento do lixo”.
Para ela, o reconhecimento da profissão por meio de projetos como o Reciclar para Capacitar muda a história de vida das pessoas. É o que acredita também o coordenador técnico do curso, Eduardo Ferreira. Catador e presidente da Cooperativa de Catadores Autônomos de Papel, Papelão, Aparas e Materiais Reaproveitáveis (Coopamare), ele conta que o reconhecimento do trabalho de cada um ali mostra para a cidade que esses profissionais estão sempre à serviço da comunidade. “Estamos capacitando para fortalecer mais a nossa profissão. Quanto mais a categoria estiver organizada, mais forte ficaremos”, defende.
Proposto para 10 Subprefeituras da cidade de São Paulo, o programa teve uma média de adesão de pelo menos 80% dos catadores de cada região, que foram informados dos cursos por meio de divulgações de panfletos, informativos e pelos agentes mobilizadores, líderes da região que vão às ruas para oferecer o curso.
Dividido em duas semanas, o treinamento conta com etapas teóricas e aulas práticas ministradas pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Na primeira semana, o curso acontece nas Subprefeituras de cada região. Lá, os catadores recebem café da manhã, almoço e um vale de 30 reais. Na segunda semana, acontece a parte prática nas cooperativas designadas pelo projeto. É onde os alunos têm a oportunidade de conhecer o funcionamento de uma instituição, as esteiras, os maquinários e seus futuros colegas de profissão. Nesta etapa, eles também recebem café da manhã, almoço e um vale de 40 reais por dia. O curso ocorre três vezes na semana.
Ao final, o catador sai com 210 reais, além de um certificado que o reconhece como profissional da área. De acordo com Eduardo Vasconcellos, curador da FIA e coordenador geral do projeto, a instituição vê o processo com muito carinho. “Temos aqui pessoas com um valor imensurável, mas que nunca tiveram seu valor reconhecido”, conta.
A perspectiva é de formarem mais 1.220 catadores, divididos em turmas de 400 alunos. Além disso, há a expectativa de organizar um Curso de Marcenaria para 160 catadores, com aulas para recuperação de materiais volumosos deixados em Ecopontos, como sofás e cadeiras. Há ainda a ideia de implantação do curso de Gestão de Cooperativa em que poderão aprender a organizar documentações, por exemplo.
Foi ali mesmo, em meio a sorrisos e entregas de diplomas que os catadores que hoje vivem no CTA de Guaianazes receberam a oportunidade de fazer parte da União de Itaquera. O informante sobre as vagas era Pedro Gomes da Silva, que está no ramo há 11 anos.
“Esse é o fechamento do ciclo. As cooperativas precisam de profissionais capacitados. Ali não existe um dono ou um patrão, existem pessoas unidas em cooperação mesmo. Ter esses novos catadores capacitados é só um grande ganho”, afirmou o cooperado.
De acordo com a Amlurb, 70 formandos já ganharam a oportunidade de trabalhar dentro de cooperativas.
Outra frente de trabalho se dá por meio da parceria da Amlurb com a empresa Green Mining, responsável por um projeto de logística reversa que visa à recuperação de vidros na Vila Madalena. Endossado pela Ambev, a iniciativa está contratando catadores capacitados no programa Reciclar para Capacitar. “O objetivo é trazer oportunidade para essas pessoas. É uma vitória de todo mundo, mas a vitória principal é dos formandos. Hoje, eles saem daqui com um diploma da FIA e da Prefeitura e podem dizer com orgulho ‘eu sou catador de material reciclável com diploma’”, reforça Túlio.
Texto produzido em 04/04/2019
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