Entrada da área recreativa da cooperativa. Foto: Thiago Mucci
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Elinéia Gomes de Jesus tem apenas 44 anos e até essa etapa da vida já viveu duras experiências. De criança abandonada no sertão da Bahia, foi garota de programa e virou a maior traficante de drogas da cidade de Campinas. Hoje é uma pastora evangélica, responsável por uma cooperativa de reciclagem, cujo maior objetivo é custear o atendimento de 89 dependentes químicos.
É assim que se pode resumir em poucas linhas a história da Rainha da Reciclagem. A cooperativa foi criada há dois anos para financiar o projeto de atendimento aos dependentes químicos, que mantém duas unidades no bairro – uma para mulheres e outra para homens.
“Criamos a cooperativa depois de vendermos balas, sacos de lixo nos faróis para sustentar o trabalho, mas a coisa cresceu e estes trabalhos não foram suficientes”, explica a pastora.
Para entender a origem da cooperativa é necessário mergulhar na história de Elinéia. Uma imersão longa e dramática. Nascida no Mandacaru, um povoado de roça de Feira de Santana (BA), ela foi entregue para uma outra família aos três anos de idade. “Depois, voltei para casa, mas aos 9 fui dada novamente para ser doméstica numa casa, onde era maltratada e trabalhava por comida e roupa”.
Aos 16, foi embora de casa com o marido, com quem teve dois filhos. Nos vaivéns da vida, decidiu voltar para a casa dos pais, que lhe impuseram uma condição: “Ou você fica e dá seus filhos, ou deixa seus filhos aqui e vai embora procurar sustento”.
Elinéia seguiu para Campinas onde conseguiu um emprego. “Não tinha coragem de deixar meus filhos, mas não tive opção”. Dias depois, no entanto, após um desentendimento com quem havia lhe hospedado, acabou sendo posta para fora da casa. “O homem que me conseguiu o emprego queria que eu fosse para o motel com ele e recusei. Fui para a rua sem conhecer nada e acabei numa boca de fumo, onde fui “acolhida”.
Aos 17 anos, entrou para o mundo do crime. “Dos 17 aos 27 fiquei no tráfico, onde matei duas pessoas, roubei e fiz de tudo. Me tornei a Baianinha, a maior traficante de Campinas, até ser presa”.
Foi na cadeia que Elinéia disse ter conhecido a fé cristã. “Um dia uma crente foi lá e me disse que quando meu coração amolecesse eu iria ser solta. Eu era folgada e tirei uma onda: ‘já amoleceu, pode me soltar’. Foi quando minutos depois ouvi de uma rádio evangélica uma mensagem que dizia a mesma coisa”.
A partir de então, começou a frequentar cultos na cadeia. “Em um ano, minha liberdade saiu, quando entendi o que era o perdão e o amor”. O ano era 1997, muito antes de pensar em criar uma cooperativa e um trabalho dedicado a recuperação de dependentes químicos. Elinéia está há 12 anos “limpa” do vício de cocaína e do crack, que usou nos três últimos anos como traficante.
Em 2009, já atuante na fé cristã e morando em São Paulo, onde havia montado um salão de beleza, foi à Cracolândia distribuir alimentos. Era véspera de Natal. “As pessoas me diziam que queriam sair da rua”.
Resultado: Elinéia levou 18 moradores de rua viciados para seu apartamento localizado num conjunto da Cohab, na zona Leste. Ficaram lá por quatro meses. “Os vizinhos ficaram malucos. Foi polícia lá, aconteceu de tudo o que você pode imaginar”.
O resultado da aventura altruísta foi a tomada de uma decisão. Ou ela punha os rapazes e as moças para fora ou os abrigaria num lugar maior. “Comprei uns sacos de bala e lancei um desafio: se vocês venderem 300 reais de bala em três horas, alugo uma casa”.
Os dependentes bateram a meta em duas horas. Nascia aí os Guerreiros e Guerreiras de Deus, nome do projeto social que Elinéia mantém até hoje e que é financiado pela cooperativa. “Deus me disse e eu senti isso, que eu não podia negar esta missão, uma vez que havia destruído tantas pessoas pelas drogas (como traficante)”.
No começo, as vendas em faróis bancavam o atendimento das 18 pessoas. Mas os atendimentos começaram a crescer. Surgiu, então, há três anos, a ideia de começar a pegar material para reciclar.
“Pegamos uma geladeira velha e fizemos um carrinho”.
O projeto foi crescendo até virar a cooperativa, hoje conveniada com a Amlurb e com 12 cooperados. “Eles ganham cerca de R$ 800,00 e pagam INSS”.
Os dependentes têm moradia e fazem cinco refeições diárias. Uma outra parcela dos atendidos também ajuda na cooperativa, mas dentro de uma perspectiva de tratamento. “Eles fazem laborterapia (terapia ocupacional)”.
A receita da cooperativa - cerca de R$ 18 mil por mês - além de pagar os cooperados, custeia as despesas das duas casas de acolhida. “E ainda conseguimos donativos de comida para ajudar 150 famílias carentes da (comunidade) Pantanal”.
O galpão da cooperativa fica no espaço onde moram os dependentes homens. “Era um terreno de uma antiga Cracolândia, que os comerciantes da região pediram que déssemos uma função social”, diz a pastora.
Por mês, a cooperativa processa cerca de 50 toneladas de resíduos provenientes da Ecourbis, uma das concessionárias que atuam no recolhimento de lixo da cidade de São Paulo, e também de coletas realizadas pelo pessoal da entidade.
Elias Sousa Oliveira tem 29 anos, mas passou 17 usando drogas. “Uso desde os 12”, diz ele, que está há dez meses na cooperativa. Ele é um dos cooperados do projeto e está limpo durante este período.
“Eu tive aqui o que não tive da minha família: amor, compreensão e uma mãe”.
A pastora e os membros de seu rebanho, se consideram todos dependentes. “Os adictos são adictos para sempre”, diz Elinéia. A meta, no entanto, é que os cooperados, uma vez recuperados, voltem para a vida em sociedade.
Mas alguns decidem ficar. Uma delas é Maria de Fátima Libério dos Santos, de 39 anos, há quatro anos moradora na entidade. Ex-garota de programa, ex-moradora de rua e ex-dependente química, é uma sobrevivente do maníaco que aterrorizava Poá ao decapitar moradores de rua e outras vítimas em 2014. “Uma conhecida minha morreu na linha do trem depois de usar crack”, diz ela, que era usuária da droga.
Após o crime, Maria passou por outra provação. Ela foi arrastada por uma enxurrada em Poá e salva por um cordão humano. Depois de quase morrer, ela juntamente com um grupo de amigos que conheciam o trabalho de Elinéia buscaram refúgio nos abrigos da Pantanal. “Nós aqui sentimos o amor de uma família e estou limpa há quatro anos”, diz a moça, que foi casada novamente pela pastora no abrigo.
Antes de se envolver com as drogas e ir morar na rua, ela havia perdido família e filhos. Nos quatro anos, atuou na cooperativa e hoje auxilia nos trabalhos da casa.
“Aqui eu descobri que não só o lixo é reciclável, mas nós, como seres humanos, também somos.”
A cooperativa Rainha da Reciclagem está localizada na Rua Japichauá, 600 – Ermelino Matarazzo
Telefone: (11) 2544-3750
Materiais reciclados: papel, plásticos (todos), vidros, metais comuns e papelão
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