19 de Dezembro de 2020,06h00
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Um pedaço de madeira deixado em uma caçamba pode parar direto no aterro sanitário, ocupando um espaço desnecessário e inviabilizando sua vida útil. Ou, ele também pode ser reaproveitado na construção de móveis e objetos de decoração, tornando-se fonte de renda. É o que acontece com as madeiras que o designer Carlos Henrique Magoga, 39, encontra nas ruas de São Paulo.
“Vejo o pessoal que está fazendo reforma ou lojas de construção, aí já passo nas caçambas e retiro o que é interessante para o meu trabalho”, diz.
A primeira experiência do artesão com a marcenaria foi aos nove anos, quando transformou uma simples caixa de uva de feira em um baú revestido de camurça para guardar suas figurinhas e seu peão, coisas que gostava de brincar na época. Desde então, passou a fazer presentes para amigos e familiares a partir de madeiras que recolhia da rua. Do hobby, Carlos retira hoje sua fonte de renda. Há cinco anos, criou a Magma Criativa, onde produz móveis e peças sob encomendas com materiais reutilizados.
O uso do material reciclado vem junto de uma conscientização ambiental de Carlos, que utiliza materiais 100% atóxicos e naturais para o acabamento e finalização dos seus produtos. "A preocupação é com o todo, evito até o uso de pregos e parafusos e opto pela marcenaria tradicional feita de encaixe de madeira e cola", explica. O incentivo para seguir no ramo vem também de um grupo de Facebook que Carlos participa ativamente: o Clube da Caçamba SP.
Com mais de 1.200 membros em sua página na rede social, o grupo nasceu de uma discussão entre seis colegas que se conheceram durante ações que realizavam em cooperativas de materiais recicláveis. “Surgiu de um reconhecimento sobre o potencial de uso dos materiais que eram jogados fora, iniciando um cenário de conversas e trocas com mais pessoas”, explica o engenheiro mecânico Felipe Rodriguez Torres, 32, um dos moderadores da página.
Aberto para qualquer interessado, o objetivo do grupo é trazer luz à relação que a cidade tem com o descarte e mostrar o valor que existe nas matérias primas deixadas em caçambas. “Também queremos estimular o empoderamento das pessoas ao se apropriarem desse processo de transformação e criação”, conta Felipe. Com cerca de 20 postagens ao mês, a orientação é: ao achar uma caçamba com materiais interessantes para reutilização, poste no grupo uma foto junto com dados da localização, como região, bairro e endereço.
A mágica acontece principalmente nos comentários, onde as pessoas trocam informações sobre o que recolheram e o que estão produzindo com aquele material.
"São trocas de inspiração, há casos de marceneiros e outros profissionais que postam produtos belíssimos construídos com o material resgatado. E há também aquelas pessoas que não são profissionais nem técnicos da área, mas se arriscam e decidem testar", reforça o engenheiro mecânico.
O grupo também é uma ferramenta de alerta para a população de São Paulo ao evidenciar quantidades alarmantes de objetos úteis que estão sendo aterrados. De acordo com o administrador, a página ajuda também a identificar as barreiras existentes para a reutilização dos materiais, mas consegue demonstrar o interesse do cidadão em uma dinâmica de uso menos intensa. “Resgatar e reutilizar o objeto ajuda o meio ambiente de duas formas: evita que ele vá parar no aterro e satisfaz uma necessidade sem a necessidade da compra de um novo produto”, defende.
Para quebrar o fluxo convencional de um novo produto, que consiste na extração de matéria-prima, produção e distribuição até chegar ao consumidor, Felipe defende a força de vontade e criatividade. Esse segundo não falta para ele e o colega Hamilton Ortiz Cuchivague, 30, que juntos criaram a Sucata Quântica, uma iniciativa de resgate de objetos, materiais, práticas, conhecimento e cultura. “Criamos luminária, móveis entre outros objetos decorativos para casas e escritórios construídos a partir do lixo”.
O principal intuito do projeto, que nasceu devido a uma demanda de mobiliário para a própria moradia dos amigos, é de descobrir e criar funcionalidades alternativas para materiais e objetos considerados no fim de sua vida útil. “Decidimos expandir a prática para outras pessoas, então definimos uma lógica de catação, identificação e classificação dos resíduos, que nos permitiu criar alguns protótipos exclusivos e replicáveis em uma oficina que montamos”, contam os jovens.
Atualmente, a Sucata Quântica tem uma produção contínua com produtos disponíveis para venda, além de oferecer oficinas e serviços customizados de design sustentável. Os resíduos reciclados são retirados de três frentes: ruas e caçambas do centro de São Paulo, doação de pessoas que conhecem a iniciativa e de cooperativas de catadores de materiais recicláveis.
Ferramenta poderosa para melhorar a sustentabilidade urbana perante a crise ambiental que afeta todo o planeta, o reuso criativo é um estímulo para a economia circular, modelo econômico de redução, reutilização, recuperação e reciclagem de materiais. “Como sociedade, estamos criando buracos enormes na natureza com a extração de recursos e a devolução de toneladas de lixo e contaminantes. É urgente criar alternativas ao sistema tradicional e permitir que as pessoas também expressem sua própria identidade”, defendem os empreendedores.
Texto produzido em 12/02/2020
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