Papeis picados para reciclagem. Foto: Pornprasit/shutterstock.com
14 de Marco de 2019,18h00
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“Digam ao povo brasileiro que meu sonho era ser escritora, mas eu não tinha dinheiro para pagar uma editora”.
O recado foi deixado em um de seus poemas por Carolina Maria de Jesus, autora de “Quarto de Despejo – Diário de uma favelada”, obra que a tornaria conhecida mundialmente. A escritora, que chegaria aos 105 anos hoje, foi uma grande revelação literária dos anos 60 no Brasil, mas nunca imaginou que esse seria o destino de uma complexa trajetória de luta e pobreza.
Pobre e semi-analfabeta, Carolina foi considerada uma poeta de espírito livre. Saiu de Sacramento, interior de Minas Gerais, ainda bastante jovem para peregrinar por algumas cidades até chegar a São Paulo, onde foi viver na Favela do Canindé, zona Norte da capital. Foi lá que, para sobreviver, passou a coletar papel. Com um barraco construído por materiais que encontrava na rua, como latinhas, pedaços de telha e madeira, criou sozinha três filhos, lutando contra a pobreza e o preconceito extremamente presente na época.
A tarefa de catadora, no entanto, lhe rendeu muito além do sustento. Em meio ao lixo recolhido, Carolina passou a reunir livros e cadernos, dos quais não se desfazia. Foram naquelas folhas que a mineira reescreveu sua história. Observações sobre o mundo ao seu redor e experiências vividas davam formato a textos sensíveis e críticos. Neles, a mulher apresentava sua revolta com a sociedade e debatia o racismo e o preconceito contra as mulheres. Sua grandiosa capacidade de se expressar lhe conferiu sucesso.
Publicado em 1960 graças ao jornalista Audálio Dantas, o grande responsável por trazer à tona a história de Carolina Maria de Jesus, Quarto de Despejo se tornaria o seu mais importante e reconhecido trabalho. Ao produzir uma pauta sobre a rotina na favela, o jornalista conheceu a escritora em sua terceira visita ao local. Se interessou pela sua fala sobre um livro e quis entender do que se tratava. Foi então que Carolina mostrou seus cadernos.
“No meio, tinha esse diário, que chamou minha atenção. Era de uma força muito grande e fazia uma reportagem sobre a favela que nenhum repórter poderia fazer. Ela já tentava publicar fazia anos e viu em mim uma oportunidade. Tive paciência de ler e vi que era ouro”, contou o jornalista em entrevista ao jornal O Globo, em 2014.
Considerado um marco na literatura brasileira, o livro apresenta o dia a dia de uma realidade crítica e aguda de uma favelada e denuncia a exclusão que a catadora viveu pela sociedade. Na obra, a mulher conta sua vida na Favela do Canindé. Por meio de um relato cotidiano, triste e cruel, relata os anos que morou na comunidade e as dificuldades que enfrentou com seus três filhos.
O olhar sensível, a linguagem simples e o realismo apresentado pela escritora atraíram a atenção do público, com 10 mil cópias vendidas em apenas uma semana. O sucesso fez com que a escritora atravessasse o oceano, com a tradução da obra em 16 idiomas e publicação em 46 países, chegando à Europa e Ásia. Quarto de Despejo chegaria à marca de 80 mil exemplares vendidos apenas no Brasil.
Inspiração para mulheres, escritores, e catadores, Carolina Maria de Jesus também é referência para a coleta seletiva na cidade de São Paulo. É ela quem dá nome à uma das Centrais Mecanizadas de Triagem da capital. Gerenciado pela concessionária EcoUrbis desde julho de 2014, o local recebeu, no dia de sua inauguração, a visita da filha caçula da escritora, Vera Eunice de Jesus.
Com uma tecnologia europeia, considerada a mais moderna da América Latina no que se refere ao gerenciamento de resíduos sólidos, a CMT Carolina Maria de Jesus possui capacidade para separar até 250 toneladas de materiais recicláveis por dia. Localizada na Zona Sul de São Paulo, a CMT ocupa uma área com mais de 4.800 m² que, entre máquinas, esteiras e agentes ambientais, separam materiais como papel, papelão, tetra pak, metais e plástico, que posteriormente são enfardados e comercializados.
Considerada uma das maiores escritoras negras da nossa história, Carolina Maria de Jesus esteve à frente de seu tempo. Empenhada em dar voz a quem nunca teve vez, tornou-se um exemplo e um símbolo de resistência contra a pobreza e a discriminação social. Faleceu em 1977, aos 63 anos, deixando um legado de obras, como Casa de Alvenaria, publicada em 1961, e Pedaços de Fome e Provérbios, ambos de 1963. Após sua morte, foram publicados ainda o Diário de Bitita, Um brasil para Brasileiros e Meu estranho Diário e Antologia Pessoal.
Texto produzido em 14/03/2019
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