Foto: Thiago Mucci
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No mundo das cooperativas, ninguém conhece Telines Basílio Nascimento Júnior pelo nome de batismo. O quadro muda quando ele é invocado pelo apelido, Carioca. Aos 53 anos, o migrante que há mais de 30 veio de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, para “fazer fortuna” não é único só no nome, mas na forma de atuar no cooperativismo.
Ele comanda um exército de 183 cooperados com renda média de R$ 1,1 mil. Os números são acima da média do cooperativismo paulistano (geralmente em torno de um salário mínimo) e dizem respeito à Cooperativa de Produção e Trabalho de Coleta Seletiva da Capela do Socorro (Coopercaps), na Zona Sul, à qual ele está à frente desde 2008.
Em termos de produção e dependência do poder público, a Coopercaps também tem uma situação diferenciada. São 250 toneladas mensais, todas provenientes de coleta própria, por meio de quatro caminhões da cooperativa ou alugados por meio de financiamento privado e de 23 pontos de coleta montados em parceria com a rede Pão de Açúcar de supermercados.
A Coopercaps também atua na central automatizada de triagem mantida pela Ecourbis, na zona sul. Por este serviço, é remunerada. Isto é, a produção na central não influi no cálculo das 250 toneladas, processadas no galpão-sede da entidade, localizado na rua João Paulo da Silva, 48, em terreno alugado pela Prefeitura.
“Eu acho que o que nos diferencia é vermos a cooperativa como um negócio e de termos clientes que precisamos atender”, diz Carioca.
“No futuro, as cooperativas devem cada vez mais adquirirem a capacidade de andar com as próprias pernas para não depender do poder público.”
Na visão do presidente, o cooperativismo será empresarial. “O ideal seria que o poder público nos contratasse diretamente, sem ter que alugar galpões ou nos subsidiar, mas para isso as cooperativas como um todo têm de amadurecer mais em qualidade de gestão”, explica. “Quando isso acontecer, ficará mais barato para a Prefeitura contratar diretamente as cooperativas.”
As frases não são meramente retóricas. Os dados a seguir e a história de Telines ajudarão a colocá-las na devida perspectiva. De fato, a questão empresarial é um dos fortes da Coopercaps, que encabeça a rede de Cooperativas da zona sul, um conglomerado de 13 entidades das quais 8 são na Capital, 3 de Campinas, uma de Monte Mor e uma de Nova Odessa.
Com a liga, também presidida por Carioca, a Coopercaps e as coirmãs fogem dos atravessadores – alvos de queixas da maioria das entidades da capital não reunidas em redes. A soma de esforços faz com que os ganhos nos preços sejam superiores a 20%, porque as vendas com os produtos reunidos são feitas diretamente às indústrias. É o chamado ganho de escala. “No caso das garrafas PET, a rede consegue R$ 2,20 contra R$ 1,80 pagos pelos atravessadores (ágio de 22%).”
Há ainda outra vantagem. “Conseguimos obter, das empresas parcerias, recursos para termos dinheiro à vista em capital de giro”, diz Carioca. “Os atravessadores pagavam à vista, dando liquidez às cooperativas”.
Com a injeção de recursos das empresas parcerias, o problema foi resolvido a partir da criação de um banco informal, que garante liquidez às cooperativas. “Quando alguém precisa de pagamento à vista, usa o dinheiro e depois devolve sem juros.”
A montagem da rede é uma das facetas de Carioca, um sujeito bonachão e de fala muito articulada. Mas ele não começou por cima, apesar de ter chegado em São Paulo querendo fazer fortuna.
Há 30 anos, saiu da casa do pai em Nova Iguaçu e foi empregado numa empresa que fornecia comida hospitalar. Morava numa pensão no Cambuci, mas em três meses ficou desempregado. “A coisa na época já estava ficando ruim em termos financeiros.”
Pouco tempo depois, viria a morar num barraco alugado na Vila da Paz, uma favela da Capela do Socorro. Aos 20 e poucos anos, estava sem trabalho e sem coragem (“o orgulho fala mais alto”) de pedir ajuda à família no Rio ou voltar para a casa.
Foi aí que um vizinho falou sobre um trabalho num ferro-velho. “Eu fui lá, deixei meu RG e peguei uma carroça”, lembra. “Foi quando comecei neste negócio como catador.”
A vida era dura, ainda mais há 30 anos, quando os carroceiros eram vistos com mais preconceito. Para piorar, Carioca usava cocaína, hábito adquirido antes de vir para São Paulo.
O vício, ele largou numa epifania. “Ao cheirar uma carreira, meu nariz começou a arder e eu percebi que era um aviso de Deus para que parasse”, diz Carioca, um católico que faz questão de abrigar dependentes químicos na Coopercaps, conforme se verá adiante.
“Eu preciso retribuir o que consegui.”
Vício abandonado, a vida de catador começaria a mudar em 2003, quando a Prefeitura de São Paulo começou a apostar fichas na criação das cooperativas de reciclagem. “Éramos 20 e poucos catadores e fundamos a Coopercaps”, lembra Telines, que começou na esteira e só entraria para a direção em 2008.
O começo foi duro. “No primeiro ano, nós garantíamos as refeições das pessoas. Se sobrasse dinheiro, era R$ 50,00 a cada três meses.”
A visão empreendedora começaria a mudar o quadro da cooperativa para valer a partir de 2008. Foi quando um grupo da Japan International Cooperation Agency (Jica) visitou a cooperativa e propôs um trabalho educacional junto às escolas.
“Abrimos às portas à comunidade com capacitação ambiental”, diz Carioca. O trabalho virou exemplo e auxiliou na atração de empresas, como o Pão de Açúcar. A atuação na área de educação ambiental, que inclui visitas a escolas públicas e privadas, continua. “No ano passado, atendemos 1.500 crianças explicando o que é uma cooperativa e como funciona a reciclagem.”
A educação permitiu novas parcerias. Uma escola privada de alto padrão da região, o Colégio Santa Maria, começou a fornecer bolsas de estudos aos catadores.
“Conseguimos colocar 12 pessoas para estudar”.
O estudo, aliás, é palavra de ordem. “Na cooperativa, eu descobri que era um líder e tinha o dom da palavra, mas me angustiava, nas assembleias, ver que as outras pessoas não tinham a mesma condição para me questionar”, explica, evidenciando o motivo de sempre falar para os cooperados voltarem aos bancos escolares.
Carioca, aliás, também voltou a estudar. Conseguiu obter o bacharelado em Gestão Ambiental, em 2012 e fazer com que mais quatro cooperados obtivessem o curso superior – os custos com as mensalidades são pagos, em parte, pela cooperativa. “Eu uso meu exemplo. Se eu consegui, eles também podem”, diz o presidente.
Nas conversas com os cooperados, Carioca diz abertamente que a formação lhe permite dar consultoria a cooperativas em formação – o que possibilita uma renda extra.
Mesmo vendo a cooperativa como um negócio, Carioca diz que deve haver uma preponderância social. Ele explica que entidades como a sua fazem girar a microeconomia dos bairros e dão chance a categorias marginalizadas no mercado de trabalho tradicional.
“Quais são os grupos que trabalham aqui: mulheres, que são 70% dos cooperados e que são pai e mãe em suas casas, que sustentam os lares e que estão perto dos filhos aqui na comunidade; idosos que não estão ‘velhos’ para o mercado e dependentes químicos e ex-presidiários.”
Os dependentes e ex-presidiários, ele faz questão de abrigar. O Recicla Sampa conversou com três deles. Dois estiveram no fundo do poço. Um deles era atendido pela Fraternidade Papa João Paulo II, comunidade terapêutica de Parelheiros auxiliada pela Coopercaps, que montou uma esteira de triagem miniatura no local para fazer terapia ocupacional com os internos.
“Estou aqui há cinco meses depois de ter sido largado pela família e por um filho por causa da desgraça do vício em cachaça e cocaína”, conta o ex-mertalúrgico Paulo (nome fictício), de 39 anos. “Hoje, tenho contato com meu filho de 18 anos, para quem consegui comprar um notebook trabalhando aqui.”
Alemão, também de 39, tem história parecia. Já está limpo do uso de coca há 8 anos, tempo em que trabalha na cooperativa. “Cheguei a morar na rua, a traficar e a roubar, mas fui resgatado aqui.”
O caso mais complicado é de um rapaz de 20 anos que ainda será julgado por tráfico de drogas. Ganhava R$ 1.000 em uma boca de fumo e hoje ganha mais na cooperativa. “Abandonei a escola na oitava série, caí no caminho errado e fui preso”, conta o rapaz, que foi trabalhar na entidade levado pela mãe, que também atua na Coopercaps, após obter o benefício de responder em liberdade. “Hoje, só quero saber de trabalhar, de ajudar a limpar a cidade e voltar a estudar.”
Casos como este emocionam Carioca. Ele chegou a São Paulo para fazer fortuna. Quem disse que não conseguiu?
“Quando vidas mudam, não tem preço.”
A cooperativa Coopercaps está localizada na Av. João Paulo da Silva, 48 – Cidade Dutra
Telefone: (11) 5667-9961 e (11) 5667-7937
Materiais reciclados: papel, plásticos (todos), vidros, metais comuns e papelão
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