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É preciso fazer mais e melhor para o meio ambiente

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André Trigueiro. Foto: divulgação

André Trigueiro é um velho conhecido de quem se interessa por sustentabilidade. Há dez anos à frente do programa Cidades e Soluções, da Globo News, o jornalista, que também mantém uma coluna sobre o tema no jornal Folha de S. Paulo, se tornou referência no assunto. “Não fui eu que escolhi, foi o tema que me escolheu”, revela.

Em sua extensa carreira já recebeu quatro vezes o Prêmio Comunique-se na categoria “Jornalista de Sustentabilidade”, também foi vencedor de outras importantes premiações como: o Prêmio Petrobras de Jornalismo, em 2013, na “Categoria Nacional/Prêmio Reportagem Petróleo, Gás e Energia”, e o Prêmio CNT de Jornalismo, em 2016, na categoria “Meio Ambiente e Transporte”, pela matéria "O diesel que é bio".

O apresentador critica o que ele chama de “falta de interesse público” sobre o meio ambiente aliada ao despreparo de parte dos governantes em lidar com o problema. “É lamentável. O nível (de conhecimento ambiental) de boa parte dos gestores públicos no Brasil é sofrível. Às vezes, eles nem agem por má-fé, mas sim por ignorância, não têm informação”, destaca.

Autor de diversos livros sobre o assunto, Trigueiro aponta ainda que as políticas públicas precisam caminhar em conjunto com uma mudança de comportamento da sociedade. “A gente tem uma responsabilidade compartilhada. Todo mundo tem algo a ver com essa história e precisa fazer sua parte.”

Segundo o jornalista, combater o culto ao descartável é uma solução mais simples do que, posteriormente, ter de lidar com os resíduos gerados. “É questão de política pública, banindo ou taxando o que vai virar problema. E, na outra ponta, o consumidor rejeitando”.

Leia a entrevista na íntegra:

O senhor é jornalista há 30 anos e durante toda sua carreira o tema do meio ambiente sempre o acompanhou. Como surgiu o interesse pelo assunto?

Com toda a franqueza, não fui eu que escolhi, foi o tema que me escolheu. É uma afinidade espiritual e para mim faz todo o sentido. Não foi premeditado. Quando me formei em jornalismo já tinha essa identificação e fui buscar uma pós-graduação em Gestão Ambiental na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Lá, virei professor de Geopolítica Ambiental e também professor do curso de Jornalismo Ambiental da PUC.

Não é fácil para mim descrever esse movimento. Ele foi muito espontâneo, genuíno, natural e autêntico. Não foi oportunismo profissional, não foi pensando na carreira. Aliás, se eu pensasse na carreira 20 anos atrás, eu não escolheria esse tema. Era um tema marginal e ainda é, de certa forma, um tema que fica à parte do noticiário da política, da economia e por aí vai.

Acredita que a população está mais engajada na preservação do meio ambiente e no descarte correto dos resíduos?

A expansão da consciência é um fato, não há como negar. Isso se revela na maneira, por exemplo, como, pela primeira vez na história da Igreja, um papa lança uma encíclica (carta abordando algum tema da doutrina católica) inspirada no meio ambiente. Como o maior número de escolas públicas e privadas abordam esse tema nas grades curriculares. Na informação que tem inspirado pessoas, instituições e governos a fazer muita coisa diferente.

Infelizmente, dada a gravidade da crise ambiental no Brasil e no mundo, a gente precisa fazer mais e melhor. Então, há um descompasso: estamos expandindo consciência, mas precisamos multiplicar atitudes, ações, comprometimento.

O senhor já declarou que seu programa inspirou projetos de lei em Brasília e políticas públicas no Ministério do Meio Ambiente. Quais seriam e como foi o envolvimento do Cidades e Soluções?

Foi há bastante tempo, no governo Lula, quando mostramos o asfalto ecológico – que transforma pneus velhos em piche, e esse piche é misturado com betume do petróleo para fazer um asfalto que tem outra configuração, mais resistente e segura. O Ministro disse que esse projeto inspirou política pública. O fato é que temos muito retorno não apenas de governos, mas de empresas, políticos em outras esferas que não são do Poder Executivo.

Outra declaração sua é dizer que estamos em uma época do culto ao descartável. Acredita que a redução no consumo seja a melhor maneira de lidar com os resíduos ou é necessário haver proibições de determinados materiais por parte do governo?

Tudo isso. Sim, por parte do governo eu acho que é cabível. Isso já acontece em outros países. A segunda cidade mais importante da Alemanha, Hamburgo, baniu das repartições públicas o café expresso que vem em cápsulas. Porque é um gênero de resíduos que virou um problema para eles, e eles pensaram: ‘Com dinheiro público, não. Não quero esse problema para mim’.

Vários países da Europa e a China proibiram o uso de sacolas plásticas. Ou toleram sacola plástica mediante pagamento. Políticas públicas. Não quero sacola plástica circulando por aí sem necessidade, que vai parar no lugar errado. A Califórnia está aprovando uma lei que vai proibir canudos plásticos – nos EUA, 500 milhões de canudos plásticos são descartados por dia. A França já aprovou um projeto que, até 2020, será proibido produzir ou comercializar talheres, copos e outros adereços de plástico descartável, que vira um problema.

Então, é questão de política pública, banindo ou taxando o que vai virar problema. E, na outra ponta, o consumidor rejeitando. Rejeitando canudo sem necessidade, sacola plástica sem necessidade, recriminando o isopor – porque, embora seja descartável, não se recicla esse material no Brasil e ele vai parar no lugar errado. A gente tem uma responsabilidade compartilhada. Todo mundo tem algo a ver com essa história e precisa fazer sua parte.

O senhor, então, é a favor da tributação do lixo?

Completamente a favor e isso já acontece em várias partes do mundo. É o caso da Austrália, alguns países da Europa e alguns estados americanos. E por quê? Eu pago pela água que consumo, pelo gás que uso, pela energia elétrica. Por que não vou pagar pelo lixo que gero? Porque o lixo que eu gero vira um assunto que custa caro. A Prefeitura que vai buscar na sua porta, que leva o lixo para algum lugar e administra – ou paga para quem vai cuidar na fase final –, tudo isso tem custo.

Então, é justo que eu seja tributado – ou que eu pague mais – se eu for mais incompetente na geração de resíduos e que eu não pague tanto, ou não pague nada, se eu não gerar resíduos. Em um mundo perfeito, existe a taxa de lixo.

Já que levantamos o assunto das cápsulas de café, já se sabe que junto a plásticos e isopores elas são consideradas os maiores problemas atuais da reciclagem (até mesmo pelo seu baixo valor para os coletores que reinserem os materiais no mercado). A logística reversa por parte dos fabricantes seria a melhor solução?

É muito complicado falar sobre a logística reversa de “quinquilharias” plásticas descartáveis. Como o fabricante do talher de plástico vai conseguir buscar isso depois de usado? Eu sou do tempo em que não tinha nada disso: nem sacolas, nem talheres de plástico. Era tudo de papel ou papelão, menos ruim. Me parece muito fácil e de custo barato para o varejo, e uma baita encrenca ambiental. O barato sai caro.

Então, temos que mudar essa lógica. Não é porque o varejista adora isopor que a gente vai multiplicar na escala das centenas dos milhares de toneladas no Brasil o descarte desse material, que vai parar no lugar errado e leva séculos para se decompor. É uma burrice monumental.

É preciso ter políticas públicas. Elencar os produtos que são vilões. E esses produtos, ou serão sobretaxados, ou você vai criar regras de fiscalização determinando o descarte detalhadamente correto – eu acho isso uma burrice. Eu acho que temos que combater o culto ao descartável.

O exemplo mais impressionante da burrice desse culto ao descartável, para mim, é você ver nas empresas – públicas ou privadas – as repartições onde há água mineral no galão e cada copo de água é um copo diferente que você vai usar. Você vai dar quatro goles e jogar fora. Dali a duas horas, vai beber água e pegar outro copinho plástico, tomar quatro ou cinco goles e jogar fora. Por que você não tem sua caneca ou seu copo? Ou, por que você não pega uma garrafa PET, com tampa de rosca, guarda e, toda vez que quiser beber água, bebe nela?

Qualquer criança de seis anos de idade entende o que eu estou falando. Não faz sentido, é uma burrice. A empresa tem o custo da coleta desses copos que nem deveriam existir. Eles não deveriam estar disponíveis. Que cada cidadão leve sua garrafa plástica ou seu copinho. Está resolvido.

Estudos já mostram que, se continuarmos no mesmo ritmo de descarte incorreto, até 2050 teremos mais plásticos do que peixes nos oceanos. O ambientalista Fabio Feldmann acredita que ele deveria ser tratado como “material perigoso” para que sejam tomadas medidas mais radicais, e que é preciso cobrar a redução do plástico do setor empresarial. Qual sua opinião a respeito?

Completamente a favor, simples assim. Ele é um material perigoso e deve ser sobretaxado ou banido. A gente precisa ter política pública de restrição a resíduos que viram problema. Quando eu digo ‘problema’, isso se volta contra nós. A gente prejudica os ecossistemas marinhos, fomenta a multiplicação de micro plásticos  que vão parar dentro da gente. Vamos determinando um cenário cada vez mais hostil a nós mesmos – nossa qualidade de vida e nossa saúde.

Em São Paulo, como um exemplo de boas práticas quanto à gestão dos resíduos, temos o projeto Varre Vila, uma iniciativa da comunidade Vila Nossa Senhora Aparecida, na zona leste. Eles acabaram com os problemas causados pelo excesso de lixo que tomava conta do bairro e todo o trabalho é realizado por moradores. O senhor poderia citar mais exemplos de pessoas que tomaram a frente para lidar com o lixo?

Tem muita gente, graças a Deus. Há quem faça horta urbana, quem refloreste terreno baldio por conta e risco, quem faça o recolhimento de resíduos que estão depositados no lugar errado. São pessoas que têm senso e espírito de cidadania, não ficam esperando o governo resolver. Está faltando mais gente assim no mundo.

Clima

O Acordo de Paris pretende limitar o aquecimento global a menos de 2 graus Celsius até 2100. Atualmente, já presenciamos derretimento de geleiras e destruição de faunas por conta do clima. Acredita que conseguiremos cumprir o prazo? Quais serão as consequências se não conseguirmos?

Corremos o risco de não cumprir o prazo porque precisamos fazer mais e melhor. Há uma corrida contra o tempo para diminuir a emissão de gases de efeito estufa. Quanto às consequências, os cientistas do clima dizem que teremos uma situação imprevisível, não será mais possível fazer a previsão do tempo como se faz atualmente.

As variáveis do clima estarão de tal forma adulteradas pelo acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera que teremos um planeta muito mais quente, com mais água derretida – avançando sobre as zonas costeiras, desconfigurando muitas cidades. Mais eventos extremos, como furacões, tornados, chuvas, nevascas, ondas de calor, numa intensidade superior às que normalmente se registra. Impacto sobre a saúde, porque muita gente não resistirá a essas ondas de calor. Mosquitos que hoje ocorrem apenas nas zonas tropicais vão começar a ocorrer nas zonas temperadas, porque o calor avança e torna o habitat deles mais extensos – e propagar doenças como malária, dengue, Zica, Chikungunya. O desaparecimento de espécies sensíveis à onda de calor, o desaparecimento dos corais – que são o berçário, o restaurante e o motel de várias espécies marinhas. Não é brincadeira, o aquecimento global talvez seja o maior problema ambiental do século XXI.

Para reduzir as emissões de gases nocivos é preciso pensar nos aterros sanitários e nos lixões. Os consórcios intermunicipais (quando prefeitos unem forças para construir um único aterro sanitário e operar em conjunto as logísticas de coleta, transporte e destinação final dos resíduos) são a melhor solução?

Não, eles são uma das soluções. São várias as soluções. Você pode transformar lixo em adubo ou energia, pode fomentar a reciclagem, pode desenvolver várias técnicas que não necessariamente determinem que o aterro seja a única solução.

Precisamos correr contra o tempo, porque o Brasil tem mais de três mil lixões – vazadouros a céu aberto – e isso não nos favorece. Isso ameaça, de forma direta ou indireta, a saúde de mais de 70 milhões de brasileiros. Contaminam os lençóis freáticos, atraem vetores que transmitem doenças, elevam a emissão de gases do efeito estufa. A gente precisa resolver esse passivo ambiental dos lixões com urgência. De uma forma ou de outra.

Se não tem recurso para aterros sanitários, tenta consórcio intermunicipal. Se não houver consórcio intermunicipal, tenta fazer com poucos recursos o que tiver ao seu alcance enquanto prefeito(a). Segrega o lixo seco para comercializar os recicláveis – papel, papelão, plástico, metais e vidros – e transforma em renda.

Ou faça composteiras. Dá para segregar o lixo orgânico e produzir adubo, fazer composteiras a céu aberto. Quando há boa vontade e informação é possível virar esse jogo.

Sobre o lixo orgânico, porque o senhor acha que ainda estamos tão atrasados? Não temos as tecnologias ou não há investimento?

Não tem interesse público. Boa parte dos prefeitos é analfabeta ambiental e não tem noção do tamanho da encrenca, não tem espírito público. Não tem a disposição de resolver o problema.

Às vezes, porque não acham que seja uma prioridade. É lamentável. O nível (de conhecimento ambiental) de boa parte dos gestores públicos no Brasil é sofrível. Às vezes, eles nem agem por má-fé, mas sim por ignorância, não têm informação. Uma coisa horrorosa.

Para resolver isso, a educação ambiental deveria começar cedo nas escolas, para crescermos com essa consciência?

Desde casa. Dentro de casa é a fase mais nobre da educação. De 0 a 7 anos a gente forma o caráter, os valores e a personalidade da criança. A principal educação é dentro de casa. É a educação da atitude, a pedagogia do exemplo.

A escola tem que reforçar e estimular, fomentar atitudes. A universidade, por sua vez, deveria complementar essa formação. Universidade que não está antenada com o meio ambiente, com sustentabilidade, está reforçando o analfabetismo ambiental. Está formando cidadãos no terceiro milênio, no século XXI, desinformados de algo que é essencial, prioritário e urgente.

Por falar nisso, o curso de Jornalismo Ambiental da PUC-Rio é uma criação sua. Como surgiu a ideia e como foi sua implementação?

Eu fui convidado para oferecer um curso e escolhi oferecer um curso com esse escopo. Conversei muito com uma amiga minha da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), que tinha criado o primeiro curso do gênero no Brasil – o meu é o segundo. Ela compartilhou a grade de matérias dela comigo e eu fiz muitas adaptações. Na verdade, eu criei quase do zero um curso que eu queria que fosse mais prático, menos teórico, mas sem prejuízo do entendimento dos conceitos. E assim tem sido há 14 anos.


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