Embalagens a serem recicladas na Cooperativa Crescer. Foto: Thiago Mucci
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As cooperativas se assemelham nas histórias de superação e inclusão social. O que as difere são os enfoques que cada uma delas destinam aos planos de gestão. No caso da Crescer, que reúne 40 cooperados na região de Pirituba, zona Oeste paulistana, a meta principal é fazer com que os associados tenham formação profissional e possam alçar voos maiores e, com isso, obter mais renda.
“Se a cooperativa puder ser um trampolim para que as pessoas consigam um emprego melhor e passem a ganhar mais, nós nos sentimos com o objetivo cumprido”, diz Jair do Amaral, de 47 anos, fundador e atual presidente da Crescer.
A entidade e seu presidente têm um perfil diferenciado, tanto na origem quanto na gestão do dia a dia. Para começar, quando foi criada, em 2006, a cooperativa atendia a uma demanda da Prefeitura de empregar pessoas pobres, que trabalhavam numa antiga central de coleta seletiva.
Foi aí que uma organização não-governamental, o Movimento Ecocultural, foi chamada para auxiliar na formação do grupo. De início, foram empregadas 20 pessoas, com base em um modelo de gestão estudado em cooperativas que deram certo em São Paulo e outras cidades.
Jair, um especialista no terceiro setor - e mais recentemente em Gestão em Cooperativismo - auxiliou na construção do projeto. “O enfoque sempre foi na formação, sem perder de vista a gestão com a finalidade de obter dinheiro para o pagamento dos cooperados.”
Nestes 12 anos, a Cooperativa cresceu. Emprega 40 cooperados, com renda mínima de R$ 1.200 a R$ 1.300,00 mensais – valores superiores à maioria das cooperativas visitadas pelo Recicla Sampa. Um detalhe importante: os membros de cargos de coordenação ganham um outro valor, tendo como teto o salário do presidente, de R$ 3.500,00. “Aqui, esta divisão é feita de maneira transparente, de modo que, das sobras (no cooperativismo este é o termo que substitui a palavra ‘lucro’) são rateadas 30% para a direção e 70% para os cooperados que atuam na produção.”
Desde o início, os investimentos em formação passaram a ser rotineiros. A cada dois anos, um grande curso é realizado pelo Movimento Ecocultural para formar mão-de-obra qualificada em reciclagem. Já foram feitas três edições – a primeira, piloto, com duração de seis meses, formou 60 profissionais. As duas mais recentes, com duração de um ano, duas turmas de 80 pessoas, sempre com jornadas diárias de seis horas.
“Nos cursos, as pessoas recebem R$ 984 mensais para estudar cooperativismo, aprendem a reciclar os materiais na prática e são aproveitadas na nossa cooperativa ou por outras empresas”, explica Amaral. “É a nossa principal porta de entrada de cooperados.”
Das 200 pessoas que passaram pelas três edições, 60 viraram cooperados. Outros 20 foram aproveitados como funcionários nas concessionárias de limpeza urbana ou empresas voltadas ao setor de resíduos. “E todos eles entram no banco de empregos do CAT (Centro de Amparo ao Trabalhador) do Município como pessoas especializadas em reciclagem, prontas para trabalhar em toda a cadeia da logística reversa.”
Os resultados são perceptíveis no ambiente da cooperativa, visualmente mais limpa que a média de outras entidades. O galpão da Crescer processa mensalmente 100 toneladas de resíduos. “A coleta seletiva feita pela cooperativa integra os cooperados com a comunidade e garante a educação ambiental, porque vai à rua, conversa e orienta os munícipes sobre como separar os resíduos”, explica o presidente.
A Crescer é uma das entidades fundadoras da Fepacoore, a Federação Paulista de Cooperativas de Reciclagem. Presidida por Amaral, a entidade tem a “função de capacitar as cooperativas em gestão e segurança do trabalho, além de atrair parceiros em bloco, inclusive quando conversamos com o Poder Público ou associações de indústria”, explica.
Nesta função, Amaral ganhou uma visão maior do tema e se tornou um crítico do atual estágio da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Ele acredita que os acordos setoriais com as indústrias e geradores de detritos, feitos a partir de associações que representam as empresas, foi mal conduzido e impactou direta e negativamente no cotidiano das cooperativas.
“Um exemplo é o vidro, um dos produtos que mais impacta os aterros e que não tem preço bom de mercado. Ocupa 18% do que é reciclado em volume, mas só dá 7% em retorno”, afirma ele, citando dados do site Reciclômetro, desenvolvido por uma startup, que mede os dados da reciclagem em São Paulo.
Outro exemplo citado são alguns tipos de plásticos e o isopor. “Potinhos de Yakult, copinhos de café e muitas miudezas acabam indo para os aterros porque passam pelo filtro das esteiras. São os resíduos de classe C, que deveriam ser assumidos pelas indústrias.”
Questionado sobre de que forma são realizados os acordos setoriais e se eles não conseguem prever esse tipo de situação, ele responde de forma dura: “deveriam, mas as formas de compensação previstas são feitas por meio de incentivos às cooperativas através de programas e doações de equipamentos, em troca de as cooperativas enviarem relatórios do que reciclaram (que servem como atestados para as empresas)”.
Os resultados, explica Amaral, é que as empresas se aproveitam de programas não consistentes para justificar uma compensação que não é efetiva. “Nesses acordos, a regulamentação da política nacional foi mal feita. Para você ter uma ideia, a indústria do vidro, que gera boa parte dos resíduos, ficou de fora”, diz ele. “Virou um leilão de notas e relatórios de vendas.”
O resultado, explica Amaral, foi uma série de ações judiciais movidas pelos ministérios públicos estaduais país afora para remediar falhas nos acordos. “Isso virou uma grande confusão.”
Mesmo afetando os negócios, os problemas setoriais não impedem a Crescer de continuar no seu esforço de formação dos cooperados, inclusive a partir de parcerias com indústrias ou empresas.
Recentemente, uma turma da Crescer passou pelo curso de alfabetização patrocinado pela Samsung, com curadoria do Instituto Paulo Freire. O curso abrangeu outras cooperativas e, no caso da cooperativa de Pirituba, beneficiou oito pessoas.
Uma delas é Wilza Santos de Oliveira. Aos 45 anos, quatro dos quais dedicados à Crescer, ela era analfabeta. “Escrevia meu nome errado.” Hoje, aprendeu a ler e já consegue escrever textos no aplicativo de conversas WhatsApp.
Mãe de seis filhos, ela entrou no cooperativismo ao sofrer por um ano o drama do desemprego. “Cheguei da Bahia em 2011 e fui trabalhar como arrumadeira, mas fiquei sem trabalho”, diz a cooperada, que é natural de Oliveira dos Brejinhos (BA).
Ela soube da cooperativa por uma amiga, sua vizinha no bairro do Cantagalo. “Ela me disse que talvez eu não gostasse por ter que mexer com lixo, mas eu só saio daqui se for tirada”, brinca.
Em quatro anos de cooperativa, Wilza orienta os filhos a estudar e ganhou consciência ambiental. “Eu vejo minha função como muito importante para a sociedade, pois estamos ajudando a salvar o planeta.” Com uma frase parecida, virou garota propaganda de um vídeo que a Samsung fez para o programa de alfabetização. “O ambiente de trabalho aqui é muito bom”, finaliza.
A Cooperativa de Reciclagem Crescer fica na Rua Professor Affonso José Fioravanti, 210, em Pirituba.
Telefones: (11) 3902-3822 e (11) 2614-4136
Materiais reciclados: papel, plásticos (todos), vidros, metais comuns e papelão.
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