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Plástico deveria ser considerado produto perigoso

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Fabio Feldman acredita que tornar plástico produto perigoso iria contribuir para ações. Foto: Acervo pessoal

Fabio Feldmann é um dos principais e mais conhecidos nomes quando o assunto é meio ambiente. Eleito deputado federal por três mandatos consecutivos (1986 – 1998), participou, como deputado constituinte, da elaboração da Constituição de 1988. Foi ele o responsável pela elaboração do capítulo destinado ao meio ambiente, bem como pelo projeto original da Política Nacional de Resíduos Sólidos.

São de sua autoria diversas leis abrangendo variados temas sustentáveis. Entre elas, destacam-se a Lei de Proteção da Mata Atlântica e o Estatuto das Sociedades Indígenas. Também foi secretário estadual de Meio Ambiente de São Paulo, Presidente da Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias da Câmara dos Deputados e chefe da delegação brasileira dos parlamentares na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – Rio 92.  Em 1997, quando secretário municipal de Transportes de São Paulo, implantou o primeiro sistema de rodízio de automóveis do Brasil. 

Para ele, houve diversos avanços no Brasil durante as mais de três décadas em que está envolvido em questões ambientais, porém, ainda “falta uma mudança de mentalidade em políticas públicas e no comportamento individual”.

Ele também acredita que, para resolver o problema da poluição dos oceanos por plásticos, o material deveria ser considerado produto perigoso, “porque, dessa forma, são tomadas medidas mais radicais. Além disso, é preciso cobrar a redução do plástico do setor empresarial”.

Atualmente, Fabio Feldmann dirige seu próprio escritório de consultoria, que atua principalmente com questões relacionadas ao meio ambiente e à sustentabilidade.

Leia a entrevista na íntegra:

O senhor está envolvido com questões ambientais há mais de três décadas. Quais os maiores avanços e atrasos do Brasil nesse assunto?

É inegável que nós mudamos de patamar em relação às questões ambientais. Há 30 anos, esse tema era praticamente desconhecido. Nos dias de hoje, especialmente com o tema do aquecimento global, esse assunto voltou numa outra visão, em outro patamar.

Há vários avanços, esse tema é bastante amplo. No caso da água, por exemplo, há muitas reportagens ou sobre a estiagem, ou sobre as chuvas intensas. No próprio campo do consumo, também há uma mudança radical – as pessoas hoje demandam bens e serviços com menos impacto no meio ambiente. E na política, atualmente, o tema da sustentabilidade não pode mais ser ignorado como foi durante muitos anos.

Eu acho que a grande dificuldade no Brasil é uma mudança de mentalidade em políticas públicas, no comportamento individual, e assim por diante.

O senhor já afirmou que “a mudança do clima é muito mais um discurso na negociação internacional do que um assunto revertido em uma agenda política ou econômica que faça com que o Brasil seja um grande líder no assunto”. Em sua opinião, o que falta para que o Brasil possa se tornar um líder nessa questão?

Como você disse, o Brasil é um líder na negociação internacional e é um país-chave para essas questões. Ele é chave, primeiro, por causa do desmatamento da Amazônia, que coloca o Brasil entre os principais emissores dos gases do efeito estufa.

No plano doméstico, eu acho que a grande dificuldade é que, basicamente, os tomadores de decisão não compreenderam que o tema não é um tema do futuro. Aqui no Brasil, quando se fala em aquecimento global, ainda há uma tendência de tratar como um assunto que será relevante no futuro. O Nordeste passou, recentemente, por uma estiagem, uma grande seca. Há também as chuvas superintensas, basta olhar os noticiários que demonstram o grande volume de chuva de algumas horas que é equivalente ao que deveria chover em meses. Então, falta fazer essa associação.

Eu acho que faltam políticas públicas, mas acho que falta, primeiro, essa compreensão de que não é mais um tema de futuro. Segundo, preparar o país para isso. O que a gente chama, no jargão climático, de ‘adaptação’.  Quer dizer, as cidades brasileiras totalmente despreparadas para as chuvas que têm. Em seguida, avaliar o impacto disso na economia, principalmente na agricultura. A agricultura brasileira teve uma queda de produção da soja e outros produtos importantes por conta da mudança das chuvas. Então, eu acho que falta para o Brasil conseguir compreender para poder estabelecer estratégias e políticas públicas para enfrentar o problema.

O senhor foi o responsável por introduzir o rodízio de carros em São Paulo em 1995, quando foi secretário estadual do Meio Ambiente. Alguns especialistas, porém, acreditam que ele não tem ajudado a melhorar a qualidade do ar, nem a mobilidade urbana nas grandes metrópoles. Qual sua avaliação sobre o projeto?

Primeiro, o rodízio que a gente estabeleceu era ambiental e durava o dia inteiro. Mas esses especialistas estão redondamente enganados. Quando houve uma tentativa de interromper o rodízio na época de férias, na gestão do (Gilberto) Kassab, a cidade entrou em colapso e a própria população pediu sua volta. Porque aumentou radicalmente a frota de carros e o congestionamento, que era quase uma exclusividade paulistana, hoje está presente em todas as capitais brasileiras.

O que aconteceu nestes mais de 20 anos de rodízio é que aumentou a frota, então o reflexo no congestionamento é incontestável, mas não há boas políticas públicas em mobilidade urbana. O rodízio é uma alternativa, mas não uma solução permanente – ainda que no mundo, em todos os grandes centros urbanos, você discuta a restrição a automóveis.

Uma das soluções é investir em transporte público que, no Brasil, de maneira geral, é precário. Ele é caro proporcionalmente, e, quanto mais caro o transporte público, maior será a alternativa do automóvel. E outras políticas. Uma das ideias, quando fui secretário do Meio Ambiente, foi fazer com que o metrô permitisse que as pessoas entrassem nos vagões com bicicletas – naquela época, essa prática era proibida.

E mesmo no transporte não-motorizado, eu estou preparando agora uma carta para o prefeito reclamando da ocupação irregular das calçadas por restaurantes, bares etc., em que o pedestre tem que ir para a rua para poder atravessar. Isso é um absurdo.

Então, é um conjunto de medidas que devem ser tomadas. Mas o rodízio, para a poluição do ar, acaba sendo inevitável.

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O especialista introduziu o rodízio de carros em São Paulo em 1995, com preocupação ambiental. Foto: Alf Ribeiro/shutterstock.com

Recentemente o senhor esteve presente no 8º Fórum Mundial da Água, onde o presidente Michel Temer assinou decretos para a criação de duas grandes áreas de proteção marinha. Qual o próximo passo a ser tomado para avançarmos na proteção marinha no Brasil?

Eu participei muito dessa articulação da proteção marinha. O Brasil pulou de 2% para 20% (de proteção). O reconhecimento dessa importância é relativamente recente, e a prova disso é que as próprias Nações Unidas passaram a valorizar a questão e possuem uma parte dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável sobre isso hoje. Mas já existiam as metas de Aich para aumentar a proteção dos oceanos.

Agora, com essas novas áreas protegidas, o próximo passo é a implementação. Para se ter uma ideia, o estado de São Paulo já conta com 50% das áreas protegidas há muitos anos. Agora, os oceanos têm várias questões: primeiro, tem a questão dos plásticos. Tem também um tema relativamente novo, que é a acidificação dos oceanos – e que ainda não conhecemos os impactos, a não ser a elevação dos níveis do mar.

Então, o (presidente Michel) Temer assinou agora, mas é uma articulação que a gente está fazendo já há alguns meses. Acho que foi uma medida muito importante exatamente porque, a partir daí, você foca os esforços de conservação também nos oceanos.

Inclusive, há um estudo de 2016 que alertou que, se continuarmos descartando plástico nos mares, em 2050 os oceanos terão mais plástico do que peixes. No Brasil, em alguns estados, tivemos a proibição das sacolas plásticas nos mercados em 2012, mas o projeto não foi para a frente. Quais os gargalos desse projeto e como mudar esse cenário?

Essa questão do plástico é importante até mesmo pelos impactos na própria fauna, que se alimenta de nanoplástico, por exemplo. É preciso considerar os impactos do plástico no meio ambiente, não apenas nos oceanos.

Em primeiro lugar, uma das opções é considerar o plástico um produto perigoso, porque aí são tomadas medidas mais radicais. Em segundo, inovações tecnológicas: plásticos biodegradáveis. E, em terceiro, tem o consumo. Quando você vai ao mercado, além do plástico das sacolas, há um volume gigantesco de embalagens plásticas dos alimentos e produtos. Você compra, abre, tem um plástico, e mais um plástico. Isso é uma mudança, inclusive, de se cobrar do setor empresarial: reduzir o plástico.

Na época dos meus pais e avós, o plástico foi considerado uma inovação fantástica, e ela foi realmente importante. Mas, agora estamos em um momento de revisão. É preciso criar alternativas ao plástico e dar a destinação adequada ao material.

A proibição das sacolas foi importante porque criou uma mudança de comportamento, apesar de não ter se estendido além da cidade de São Paulo. Mas acho que precisamos dar alternativas para as pessoas. Mesmo que você leve sua sacola para fazer as compras, você chega em casa e vê o volume de plástico nas embalagens.

O senhor ajudou a escrever o capítulo sobre Meio Ambiente da Constituição Brasileira de 1988. Com o crescimento das cidades e a mudança dos perfis das pessoas – inclusive o aumento do consumo e da criação de resíduos – ela ainda contempla os dias atuais ou seria necessária uma mudança?

Não, eu acho que a área de meio ambiente da Constituição brasileira, passados 30 anos, se mostra cada dia mais contemporânea e atual. Não acho que ela se tornou ultrapassada e obsoleta.

O que aconteceu no Brasil e no mundo é que os problemas alcançaram outra dimensão. Esses temas ganharam relevância mais recentemente, 30 anos é pouco tempo.

Eu acho que existe uma mudança em muitos aspectos. Na minha época, as pessoas eram contra a verticalização da cidade, por exemplo. Hoje, as pessoas defendem a ideia das cidades compactas. Houve uma atualização positiva de conceitos.

O senhor foi autor do projeto da Lei da Mata Atlântica, que ficou catorze anos em tramitação. Acredita que falta incentivo do poder público para aprovar projetos relacionados ao meio ambiente?

Tem um problema que eu já falo há muito tempo. Eu acho que, paradoxalmente, houve um aumento da consciência ambiental, mas no Congresso Nacional, a gente tem muita dificuldade para avançar.

Então, a Lei da Mata Atlântica levou 14 anos. Eu tenho lei de 1988 ainda tramitando, uma que protege as cavernas. É uma loucura. Agora, também têm aspectos da sociedade, que nós também temos que ter uma representação política partidária no Congresso. Não tem sentido um Congresso Nacional onde você tem a maior bancada ruralista e praticamente sem representação de pessoas comprometidas com as nossas causas.

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Feldman defende a cobrança de um imposto sobre o lixo produzido. Foto: casadaphoto / Shutterstock.com

O projeto de lei que se tornou a Política Nacional de Resíduos Sólidos é de sua autoria. Como avalia o resultado final?

O primeiro projeto foi de minha autoria. Quando eu fui constituinte, logo depois a gente estabeleceu uma estratégia de políticas nacionais: resíduos sólidos, educação ambiental etc. que a gente achava importante, porque políticas nacionais induzem a outras políticas.

O que eu acredito ser o grande desafio do Brasil é trabalhar as políticas através de instrumentos econômicos. Eu defendo, em nosso país, um marco regulatório que, de maneira geral, é bom. Mas a gente tem que criar estrutura e implementação. No caso da PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos), eu acho que ainda faltam políticas tributárias.

Então o senhor defende a cobrança de um imposto sobre o lixo produzido?

Eu defendo há muito tempo. Mas, quando a Marta (Suplicy, ex-prefeita de São Paulo) entrou com a taxa do lixo, ela deveria ter exonerado o IPTU. A “taxa do lixo” está embutida no IPTU. Então, se no apartamento vizinho moram o dobro de pessoas do que moram no meu, eu pago o mesmo preço.

Então, eu defendo a taxa do lixo, até porque a partir daí aquele que gerar muito lixo paga mais. Eu defendo porque ela é justa, e desestimula você a gerar lixo. Quando for fazer compras, vai procurar produtos com menos embalagens, por exemplo.

Em uma megalópole como São Paulo, qual a solução para aproximar as questões sustentáveis do dia a dia das pessoas sendo que, muitas vezes, elas não têm acesso nem mesmo a direitos básicos?

Eu acho que, de certa maneira, mesmo as pessoas de mais baixa renda têm uma noção sobre o problema do lixo, sobre o desperdício. Até poucos anos, elas não tinham.

Tem uma questão que eu uso de exemplo que é a da obesidade. Ela é mais presente na população de baixa renda, porque os produtos mais açucarados normalmente são os mais baratos. Por exemplo, o refrigerante mais popular, que é tubaína, ou aquele suco em pó, tudo isso é água com açúcar. Então, o que eu defendo é a tributação. Quanto mais saudável o produto, menor a tributação. Quanto menos saudável, maior a tributação.

Porque eu acho que produziria um efeito na população de baixa renda e ajudaria até nessa questão de geração de resíduos. Embalagens mais adequadas ao meio ambiente teriam menos tributos. Você vai trabalhando comportamentos através de políticas no sentido econômico. Eu acho que falta, para o Brasil, uma cabeça mais aberta.

Fora a tributação, como o senhor acha que uma educação da sociedade poderia ser feita?

Existe uma rede que chama Política Nacional de Educação Ambiental. Eu defendo a educação ambiental formal. Mas, para isso, tem que preparar muitas forças. É preciso traduzir e adaptar em sala de aula isso que estamos conversando aqui. Especialmente no Ensino Fundamental. Porque, em alguns casos, eu acho que os filhos educam os pais. Se o menino ou a menina, em sala de aula, aprendeu que não deve tomar produtos muito açucarados, leva isso para os pais. Então, em sala de aula, ter desde aula de culinária, e mesmo hortas, para ver de onde vêm os alimentos. Tem um mundo para ser explorado.


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