11 de Setembro de 2019,12h00
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Desenterrar os rios esquecidos de São Paulo e limpar o Tietê e Pinheiros. Essa seria a solução para melhorar a crise hídrica da cidade? A questão que envolve a realidade da megalópole paulista foi respondida por profissionais do meio ambiente em um evento onde o assunto principal era a escassez da água na cidade de São Paulo e no país.
O encontro aconteceu em razão do Dia Mundial da Água, em 22 de março, no teatro da Unibes Cultural, zona Oeste da capital. Os mais de 200 ocupantes reservaram a noite da sexta-feira para assistir ao documentário “Água que Falta” e ouvir um fórum para entender um pouco sobre a atual situação dos recursos hídricos. O que se percebe é que ao longo dos anos o problema vem ganhando cada vez mais o holofote da mídia e a atenção da sociedade. A lotação máxima do evento reforça essa percepção.
“Sou jornalista ambiental há 15 anos e no passado era normal ver palestras sobre o assunto com pouca gente. Hoje, vejo uma participação ativa das pessoas. Isso significa que uma solução para a escassez da água é cada vez mais urgente”, comentou Matthew Shirts, mediador do evento.
Para o geógrafo Luiz de Campos, a cidade de São Paulo não precisaria passar por uma crise de água como aconteceu de 2014 a 2016, onde as represas que abasteciam a capital, localizadas na Serra da Cantareira, ficaram quase vazias e chocaram os moradores pela baixa oferta de água. “Muita gente não sabe, mas a solução para esse problema estava abaixo de nossos pés. Temos 300 rios e córregos que estão no subsolo de grandes construções e empreendimentos que não são utilizados porque os soterramos” explica o profissional.
Segundo ele, com o que São Paulo tem sob seus pés, não precisaria buscar água em dois mananciais de Minas Gerais para abastecer os reservatórios e as casas dos paulistanos. “Até hoje, acho que não há a necessidade de buscar água tão longe”, defende.
A solução para valorizar esses rios e córregos submersos é criar métodos para desenterrá-los, aproveitar seu potencial de abastecimento e manter a limpeza a céu aberto, conforme explicou o profissional. A culpa por isso ainda não ter acontecido é da urbanização desenfreada que ocorre na cidade sem nenhum tipo de planejamento. “Até hoje, novos empreendimentos não levam em consideração o rio ou córrego que está no terreno, preferem soterrá-lo”, contou o arquiteto José Bueno.
A maioria dessas águas submersas são puras. Prova disso é um edifício localizado no bairro da Vila Mariana, na zona centro-sul de São Paulo, onde uma água limpa jorra abundantemente pela guia da calçada em frente ao local. “As pessoas acham que é um vazamento de água e chamam empresas para consertar, mas na verdade é só um córrego que foi soterrado pela construção e precisa sair para seguir seu fluxo natural”, contou Bueno.
Por meio de um passeio, para que os paulistanos conheçam a maioria dos rios e córregos que circulam pela cidade, Bueno e Campos levam os interessados, para conhecer os rios esquecidos. “Queremos levar milhões de pessoas a descobrirem, verem e quererem nossos rios limpos e livres”, conta Campos.
O biólogo Samuel Barreto, gerente nacional de água da ONG The Nature Conservancy, explicou que a desvalorização dos rios soterrados se dá porque a cidade ainda possui um sistema romano para administrar os mananciais que se resume em “exportar, transportar, usar e descartar”. Ele explica que é no descarte que há complicações, já que o país possui uma cultura de não querer reutilizar a água e literalmente jogar fora. “Nós não damos sentença de morte para pessoas, mas damos para nossos rios e esse sistema que existe há mil anos só reforça esse fato”, explicou.
Para o professor acadêmico e pesquisador da USP, Pedro Jacobi, o renascimento e limpeza dos rios Tietê e Pinheiros, por exemplo, depende diretamente de uma mobilização e reinvindicação da sociedade civil. “A sociedade deve se enxergar como protagonista na exigência de um bom uso da água e não como uma mera coadjuvante, sem o direito de pedir melhores condições e maior qualidade hídrica”, defendeu o acadêmico à plateia.
Exemplos para São Paulo
Thiago Terada, gerente de responsabilidade social Corporativo da Aegea, empresa de saneamento básico, defendeu que a despoluição dos rios de São Paulo é possível. Ele exemplificou com um caso que aconteceu na Lagoa de Araruama, localizada no estado do Rio de Janeiro. “Assim como o Tietê e o Pinheiros, o lugar era totalmente poluído com esgoto. Porém, com a implantação de uma rede de esgotamento sanitário em todas as casas da região, as águas tornaram-se limpas”.
Além disso, a companhia de Thiago foi de porta em porta falar com os moradores sobre a importância de manter o rio limpo, sem jogar lixo e sujeira. O engajamento das pessoas teve resultado na limpeza e até no comércio local, com mais garantia de peixes para pesca.
Engajamento
Para Giuliana Chaves Moreira, uma das responsáveis pela questão da água dentro da ONU Brasil, engajar e mobilizar são o segredo para cuidar da questão hídrica no país. A profissional tem um público específico para chamar a atenção e conscientizar: o setor empresarial. “Minha missão não é fácil. O desafio é fazer o empresário entender que ele é a peça-chave para servir de bom exemplo para a sociedade quando o assunto são boas práticas na economia de água”.
Uma das empresas que a profissional conseguiu parceria foi a Ambev. A companhia de bebidas que precisa de recursos hídricos para fabricar seus produtos criou uma marca de água chamada AMA, que tem o objetivo de levar abastecimento para pessoas que não possuem esse direito básico. “Cem por cento do lucro das vendas dessas garrafas vai para obras que levarão água para torneiras de moradores da região seca do Nordeste”, conta o diretor de sustentabilidade, Richard Lee.
É uma contradição um lugar tão rico em água como o Brasil ter pessoas que não têm acesso à água. O país está entre os seis lugares do mundo que possuem cerca de 50% de toda a reserva de água doce do planeta. O fato foi lembrado pelo empresário Alexandre Gobbi, um dos convidados do evento. Ele explicou que até na agricultura o país pode se considerar “sortudo”, pois a irrigação feita por meio de jatos de água é abundante para manter o campo funcionando e garantir as verduras na mesa do brasileiro. “O problema é que esses jatos de água causam desperdício”, explicou.
A discussão do excesso de água no campo brasileiro veio à tona, pois Alexandre trabalha em uma empresa israelita chamada Netafim. Ela possui um sistema de irrigação diferenciado para agricultura nos desertos de Israel – local no Oriente Médio conhecido por sua escassez hídrica – que rega o campo com gotas de água racionada. “É como se pegássemos um conta-gotas e deixássemos cair uma gotinha na raiz da planta. Essa foi a forma que Israel encontrou para garantir verduras e legumes para a população e ao mesmo tempo não desperdiçar água”.
Alexandre conta que trouxe essa tecnologia conhecida pelo nome de “irrigação por gotejamento” para o Brasil e muitos agricultores do estado de São Paulo têm se adaptado a essa novidade. O empresário garante que os produtores de hortifrúti têm economizado 60% dos recursos hídricos com esse sistema.
Para o professor ambiental Edson Grandisoli, apesar de diferentes setores terem expostos sua visão sobre a água, todas as apresentações tiveram um ponto em comum: compartilhamento de experiências, soluções pontuais para despoluição dos mananciais, garantia de abastecimento e economia da água.
“Sou uma pessoa esperançosa que acredita que a educação ambiental é a solução para o desperdício. Espero que no próximo encontro possamos mudar o nome do evento para: a abundância da água”, concluiu o acadêmico.
Texto produzido em 05/08/2019
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