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Taxa para correta destinação pode mudar sistema agonizante

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Fabricio Soler não vê avanço na destinação do lixo no Brasil, mesmo com legislações corretas. Foto: Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

A legislação ambiental do Brasil é considerada por muitos especialistas como uma das mais completas do mundo. Fabricio Soler, advogado especializado em Direito dos Resíduos e Direito Ambiental com atuação na área de resíduos sólidos, pondera, no entanto, que “os órgãos ambientais carecem de recursos humanos, financeiros e infraestrutura para melhor se aparelharem e fazerem frente à implementação da legislação ambiental”.  

Coautor da publicação “Código Brasileiro de Resíduos Sólidos” (e do aplicativo de mesmo nome), o especialista defende a cobrança de uma taxa correspondente à correta gestão dos resíduos sólidos, que para ele, inclusive, tem efeito pedagógico. “O sistema está agonizante. Nós temos hoje 45% do volume gerado de resíduos sendo encaminhado para lixões, então é uma questão de saúde pública que só se agrava”, ressalta.

Confira a entrevista na íntegra:

O Código de Defesa do Consumidor prevê que o consumidor tem direito a ser informado adequadamente sobre os produtos que consome. O senhor acredita que ele também deveria ser informado sobre o descarte correto de seus resíduos?

O consumidor deve ser informado por meio de dois processos. O primeiro a gente poderia presumir que se trata de uma educação ambiental, conscientização ambiental que parte pela Prefeitura, pelo poder público municipal, estadual e federal. Ter um processo de educação ambiental que deve promover esse tipo de informação relacionado ao consumo sustentável, consumo responsável e consumo consciente. Acho que esse é o primeiro passo. E o segundo, naturalmente, é a questão das informações veiculadas por meio dos produtos sobre como descartar, como reciclar, como fazer uma separação correta. 

Então, acho que seriam duas frentes: a frente pública, mais relacionada à educação ambiental na gestão de resíduos, com ações de caráter pedagógico e, por outro lado, no setor empresarial, reforçar as ações de informação de forma a capacitar o consumidor/usuário e o cidadão em geral.

O Brasil tem mais de três mil municípios com destinação inadequada dos resíduos, apesar da proibição existente desde 1981 (de acordo com a Política Nacional do Meio Ambiente) e do prazo estabelecido pela PNRS ter encerrado em 2014. Você acredita que a educação ambiental pode ser uma aliada na questão dos resíduos sólidos no país? Ou a solução deve chegar via justiça, como com a cobrança de um imposto, por exemplo?

Elas são complementares. Eu analisaria sob duas óticas: uma é a comunicação, educação, informação e conscientização. Isso é premissa para qualquer melhoria de conduta do cidadão e do usuário na gestão de resíduos. E, por outro lado, o que a gente chama de sustentabilidade econômica financeira do serviço de limpeza urbana, ou seja, eu preciso ter um valor particular ou um valor destacado para fazer frente aos custos do serviço de limpeza urbana.

Infelizmente, o cidadão, em sua grande maioria, desconhece o que é cobrado na questão da gestão de resíduos. Diferentemente do assunto água e esgoto, que tem uma leitura muito mais particularizada, porque tem uma cobrança autônoma, e de resíduo não tem. Eu acho que a cobrança via taxa, tarifa, tem um efeito pedagógico também, que ajuda não só na conscientização quanto no serviço que está sendo prestado, mas também na exigência para a melhoria da qualidade, na adoção de procedimentos ou de metodologia para estimular a reciclagem. Ou seja, aquele que segrega pagaria uma tarifa mínima e o que não segrega, uma tarifa máxima.

Tem a regulamentação dos grandes geradores, que eu também acho que é importante em termos de qualquer política municipal. Então, eu não elencaria priorização, eu deixaria os dois assuntos, que são extremamente importantes. Talvez até a cobrança seja mais prioritária do que a própria educação, mas eu acho que os dois têm pesos equivalentes.

 “Talvez a cobrança (de uma taxa) seja mais prioritária do que a própria educação”

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Brasil deveria ter mais aterros sanitários, aponta o especialista. Foto: Antônio Brasiliano/ antoniobrasiliano.carbonmade.com

Por que o senhor acha que a cobrança é mais prioritária?

Porque o sistema está agonizante. Nós temos hoje 45% do volume gerado de resíduos sendo encaminhado para lixões, então é uma questão de saúde pública que só se agrava, e eu particularmente entendo que a melhoria na gestão perpassa pela cobrança do serviço, pela instituição da taxa, da tarifa.

O lixão é, no mínimo, proibido desde 1981, quando foi aprovada a política nacional de meio ambiente. Depois, teve a constituição federal, que também proíbe qualquer tipo de poluição. Em seguida tem a lei de crimes ambientais, em 1998, que considera e classifica dispor em lixão como crime. Tem o decreto de inflações administrativas, que considera uma infração grave com penalidade de multa – que pode chegar a R$ 50 milhões – fazer o uso de lixão. Em 2010, a lei deu quatro anos para a eliminação. Nós estamos em 2018 e quase metade do material ainda é encaminhado para o lixão. Eu entendo que o desafio na gestão perpassa pela cobrança dos serviços.

Aqui em São Paulo a taxa foi muito rejeitada, as pessoas não querem pagar mais um imposto. Como o senhor acha que as pessoas podem se conscientizar de que ela é importante?

Talvez este seja o desafio, porque na verdade a sociedade já paga, ela não sabe que paga, nem o quanto paga. Então, hoje, o objetivo na verdade é cobrar de forma individualizada o serviço de limpeza urbana, para o cidadão ter clareza do que está pagando. Porque hoje, infelizmente, qual é a relação do cidadão com a gestão de resíduo no Brasil? O sujeito dá um nó no saco, bota para a coleta e o saco some. Agora, se o saco foi coletado por profissionais com EPI (Equipamento de Proteção Individual), com caminhão autorizado, com rastreabilidade, se vai para aterro sanitário ambientalmente licenciado. O cidadão não tem essa clareza, ele não consegue visualizar a complexidade e o tamanho do que é um serviço de limpeza urbana. Por isso, eu acredito que, a partir do momento em que você cobra de forma individualizada e não no âmbito do IPTU, pode provocar um processo melhor de conscientização ou informação.

Por outro lado, sim, você tem o desafio de superar a impopularidade de qualquer instituição de cobrança, que não é só para taxa, não é só para a tarifa do lixo, isso é geral, para toda e qualquer cobrança. Mas hoje a gente começa a ver contrapartidas. Por exemplo, se a gente for viajar, você vê como funcionam as estradas de São Paulo, que tem uma tarifa cobrada no pedágio, e os estados onde a administração não foi transferida para o privado, qual é a qualidade das pistas. Evidente que o serviço melhora. E hoje também, para agravar, as companhias de limpeza urbana acumulam enormes dívidas decorrentes do não pagamento por parte das administrações municipais, que enfrentam o desafio de cobrar o serviço, que não cobram de forma eficiente, não cobram o suficiente para fazer frente ao que tem que ser investido.

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Separação do lixo está longe de ser padrão para tratamento de resíduos no país. Foto: Antônio Brasiliano/ antoniobrasiliano.carbonmade.com

Ainda sobre a questão da administração dos resíduos, há alguns anos o senhor declarou que “campanhas de logística reversa são realizadas por terceiros com limitada abrangência territorial, baixo impacto informacional e cultural para a sociedade, carentes de conformidade legal e de infraestrutura, o que resulta em minguados volumes de produtos recebidos”. Acredita que esse cenário mudou? Avançamos na logística reversa?

A questão da logística reversa, na minha leitura, é algo que tem que ser estruturante. Nós temos um desafio no Brasil que é a nossa dimensão territorial, e soma-se a isso a ausência de informação e de educação ambiental do consumidor. Então, não dá para implementar um sistema de logística de um ano para o outro. E não dá para considerar exemplos europeus, como Portugal, que tem 10 milhões de habitantes, e um estado de São Paulo, que tem 45 milhões.

Então, se me perguntar objetivamente, o sistema de logística tem melhorado? Você tem o acordo setorial de embalagens indo para sua segunda fase, você tem um acordo de lâmpadas sendo implementado, tem um acordo de embalagem de óleo lubrificante também. Estão em negociações o acordo setorial de eletroeletrônicos e o acordo de medicamentos.

Particularmente, talvez não esteja em um ritmo desejável por aquele que não participa do processo, mas é um processo extremamente complexo, são vários interesses que permeiam a estruturação do sistema. Nós estamos falando de uma questão que é eminentemente custo. Na logística reversa não é negócio, é fundamentalmente custo. Então, como o setor empresarial vai amortizar, incorporar esse custo? Aí eu uso como exemplo o modelo de lâmpadas. Cada lâmpada comercializada no Brasil o importador paga por volta de 41 centavos para cobrir o custo da logística reversa. Você tem aí uma dinâmica em que se estabeleceu uma diretriz que toda empresa importadora fabricante deve pagar 40 centavos para a logística reversa.

No caso de lâmpadas, hoje, mais de 90% das lâmpadas são importadas, e o que o governo aprovou nesse caso? O governo aprovou uma restrição à importação, ou seja, só entra lâmpada no mercado a partir do momento em que o importador comprovar que tem um sistema de logística reversa. Isso mostra que há um processo árduo que tem que ser muito bem trabalhado e que não se faz de uma hora para outra. Então, eu acredito sim que as coisas estão caminhando.

 “Não dá para considerar exemplos europeus, como Portugal, que tem 10 milhões de habitantes, e um estado de São Paulo, que tem 45 milhões”

E de que maneira os resíduos sólidos impactam na degradação ambiental?

Impactam a partir do momento em que são dispostos de forma inadequada, no solo, sem nenhuma cobertura, sem nenhuma proteção, sem medida de controle para não contaminar solo e água. Você tem aí um evidente dano.  Particularmente, o ideal seria que a gente tivesse a promoção de vários aterros sanitários no Brasil e, em contraposição, a eliminação dos lixões.  Além do risco que o lixão causa, por exemplo, de acidentes aéreos, porque o lixão não pode estar na área de 20 quilômetros em torno de aeroportos e ainda tem vários em operação. O lixão tem que ser exterminado do território brasileiro.

A legislação brasileira é completa em relação ao meio ambiente? Como estamos em relação a outros países?

A legislação é completa. O que nós temos hoje, o nosso desafio no Brasil, é de reforço dos órgãos públicos para fiscalização e controle ambiental. Ou seja, os órgãos ambientais carecem de recursos humanos, recursos financeiros, infraestrutura para melhor se aparelhar e fazer frente à implementação da legislação ambiental. Então, legislação ambiental temos bastante, o que precisamos é aperfeiçoar o controle e a fiscalização. Mas para isso, se faz necessário um reforço da estrutura dos órgãos ambientais. Temos normas em demasia.


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