País produziu cerca de 8,9 bilhões de peças em 2018. Foto: Nengloveyou/ shutterstock.com
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Você já parou pra pensar quantas vezes você usa a mesma roupa? E qual a durabilidade dela? Perguntas como essa colocam a indústria da moda no centro de um enorme problema ambiental e têm obrigado marcas a repensarem seu modelo de negócio e de produção. Isso porque, um volume enorme de material têxtil é desperdiçado todos os anos na confecção de roupas, usadas poucas vezes, e que na hora do descarte seguem direto para o aterro sanitário, sem qualquer possibilidade de reutilização por meio da reciclagem.
A constatação está no relatório A New Textiles Economy, um importante estudo feito pela Fundação Ellen MacArthur, instituição global que incentiva a sustentabilidade no planeta.
“O equivalente a um caminhão de roupas é enviado para o aterro ou à incineração a cada segundo, enquanto menos de 1% das fibras têxteis usadas na produção de roupas são recicladas e destinadas para a produção de novas peças”, diz Victoria Almeida, gerente de comunicação para a América Latina da entidade.
Segundo a profissional, isso representa uma perda econômica anual estimada em 500 milhões de dólares no mundo. Além disso, esse desperdício resulta em altos níveis de poluição. Existe até um termo no universo da moda para este tipo de cultura, em que o consumidor usa uma roupa que está em alta, troca a peça ou descarta e adquire outra que acaba de ser lançada: Fast Fashion.
Por conta disso, há uma urgência de se criar um modelo de economia circular para a indústria da moda. Estes novos tipos de negócio permitem que as roupas sejam usadas mais vezes e também que as peças sejam produzidas a partir de materiais seguros e de fontes renováveis.
Os consumidores são, literalmente, a peça-chave para essa mudança, ficando ainda mais atentos aos impactos ambientais que a produção de roupas causa e exigindo mudanças. “Marcas e designers já perceberam que o atual modelo não tem como funcionar a longo prazo. E, com isso, estão começando a repensar sua forma de produzir e comercializar para que as peças não se tornem um resíduo”.
Dados da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), de 2018, indicam que o Brasil é considerado a quinta maior indústria têxtil do mundo e o quarto maior produtor de denim (tecido usado para fazer o jeans) e de malhas mundial.
“O país produziu cerca de 8,9 bilhões de peças ao total, em 2018, incluindo vestuário, cama, mesa, banho, meias e outros itens”, explica Rafael Cervone Netto, presidente emérito da Abit e coordenador da Área de Políticas Industriais.
Ele explica que desse montante, 5,1 bilhões correspondem a apenas peças de vestuário (roupas). “É um setor que no país movimentou cerca de 50 bilhões de dólares de faturamento”.
Até 2021, em território nacional, a estimativa é de um crescimento de 13% no mercado de moda, o que pode elevar a produção em 6,68 bilhões de peças, de acordo com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Tanto potencial na indústria têxtil resulta na geração de aproximadamente 160 mil toneladas de resíduos por ano no país. Isso antes da pandemia. “Também estimávamos que 50% poderiam ir para reciclagem”, fala Cervone.
De acordo com Welton Fernando Zonatti, doutor em Sustentabilidade da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto Federal do Rio de Janeiro, o Brasil já conquistou importância e legitimidade no cenário mundial na área de produção de fibras, fios e tecidos. Pode parecer algo positivo para o cenário econômico, porém, gera graves problemas ambientais. Etapas como a produção de resíduos nos processos industriais, especificamente na fabricação de fios, ocasiona muitas sobras e desperdício de tecidos. E o pior: com o descarte incorreto no pós-consumo.
"Por exemplo, só na produção de fios, se for algodão, de origem natural, há o uso de pesticidas, herbicidas e outros produtos químicos para controle de pragas, que podem contaminar o solo e o lençol freático. Se for tecido de origem química, derivados do petróleo, os impactos ambientais se referem ao gasto energético e emissão de dióxido de carbono (CO2) na fabricação", explica o acadêmico.
Na maior metrópole do Brasil são geradas cerca de 63 toneladas de resíduos têxteis por dia. O dado é da Loga, empresa que faz a coleta na região Noroeste da capital paulista e recolhe os materiais nos locais considerados os polos da confecção: o Brás e o Bom Retiro, na zona central da cidade. A Vila Maria, na zona Norte, também é apontada pela empresa como outro lugar de grande desperdício de peças de roupas.
“Do total, 45 toneladas desses resíduos são da região do Brás, 8 toneladas do Bom Retiro e 10 toneladas da Vila Maria”, conta Francisco de Andrea Vianna, responsável pelo Planejamento e Operação da Loga.
Curiosamente, durante o período de isolamento social em que o comércio esteve fechado, a geração de resíduo têxtil caiu para 62%. Existe outro medidor desse tipo de resíduos na cidade. O projeto Sustexmoda, formado por um grupo de pesquisadores da USP, busca por meio de parcerias soluções sustentáveis para os impactos causados pela cadeia têxtil e indústria da moda.
O grupo criou uma plataforma (acesse aqui) onde é possível ver a quantidade de materiais coletados na cidade desde 2017, ano em que começou a contagem. De acordo com a criadora da iniciativa, a pesquisadora e professora da USP, Francisca Dantas Mendes, os dados são coletados a partir de cálculos que contaram com a ajuda da Amlurb (Autoridade Municipal de Limpeza Urbana) e da Loga.
De 2017 até 2020, foram mais de 29.169 toneladas de resíduos têxteis gerados na cidade, dos quais 23.824 são de materiais de corte produzidos em confecções e o restante de roupas pós-consumo.
Só na região do Bom Retiro, encontra-se uma concentração de aproximadamente 1.200 confecções que produzem cerca de 12 toneladas de sobras de tecidos por dia, de acordo com o Sindicato das Indústrias de Fiação e Tecelagem do Estado de São Paulo, o Sinditêxtil-SP.
As confecções descartam nos aterros sanitários uma enorme quantidade de sobras de tecidos e insumos, como agulhas quebradas, tubos de papelão, papel Kraft usado nos moldes e outros materiais resultantes das produções em grande escala. A ação, além de sobrecarregar ainda mais esses locais, que já estão com sua capacidade comprometida, impede o reaproveitamento desses materiais.
Algumas pessoas não sabem, mas os retalhos, quando limpos e selecionados, são passíveis de reciclagem e reutilização. O Sustexmoda, por exemplo, além de coletar dados para ter referência sobre o quanto se gera de resíduos de tecido na capital, mantém vários projetos que trabalham com as sobras têxteis, como o programa Ubuntu.
A iniciativa oferece oficinas de aprendizagem para produção de tapetes feitos com sobras de tecidos gerados nas indústrias. As aulas são dadas em Centros de Acolhida para pessoas carentes. A atividade possibilita a geração de renda com a venda dos produtos em feiras e bazares.
“Este é um projeto que está comigo desde 2015. Já passaram por nós mais de 500 alunos. É gratificante ver as pessoas em situação de vulnerabilidade aprendendo um ofício. No curso, nós conseguimos para eles, uma carteirinha de artesão para que possam exercer o ofício. Teve uma edição especial, em que eu acompanhei de perto cerca de 15 alunos. Eles tiveram apoio psicológico, pedagógico e voltaram a estudar. Cerca de 30% deles conseguiram se reerguer e sair de uma realidade difícil”, conta a pesquisadora Francisca Dantas Mendes.
Assim como o projeto Ubuntu, existem outras práticas semelhantes pela cidade de São Paulo. A iniciativa da empresa Retalhar, por exemplo, recebe uniformes usados de outras companhias e os envia para cooperativas de costureiras transformarem esses materiais em novas peças.
“As empresas pagam por esse serviço de transformação. Depois que os produtos ficam prontos, elas os recebem de volta. Dessa maneira, elas se adequam a uma logística reversa, reaproveitando as peças”, conta um dos fundadores da Retalhar, Jonas Lessa.
A Cardume de Mães, em Taboão da Serra, na grande São Paulo, é uma das cooperativas que transforma esses tecidos em nécessaires, bolsas e outros acessórios.
“Eu sou muito criativa, gosto de dar ideias sobre o que fazer com os uniformes. A minha renda vem desse trabalho e, com ele, ajudo nas contas de casa”, diz a costureira Herculânia Reis.
Existem duas formas de reciclar tecidos: a mecânica e a química. A reciclagem mecânica envolve a picotagem do tecido. Geralmente, as empresas recicladoras que optam por esse método possuem máquinas que rasgam e trituram o tecido. São equipamentos capazes de retalhar de 50 a 3 mil quilos de tecido por hora. As fibras trituradas são transformadas em fardos e usadas pelas indústrias para produzir enchimentos para sofás, sacos de boxe, edredons, carpetes e outros produtos.
Já o processo químico foi desenvolvido para melhorar as características e propriedades das fibras. Somente os tecidos do tipo poliéster, poliamida e elastano (todos derivados do petróleo) podem ser reciclados por meio desse método.
A recuperação química do poliéster, material também encontrado em garrafas PET e outros produtos de plástico, consiste em triturar, secar, limpar, colocar em um processo de fusão e extrusão (saída a força) a uma temperatura de 295° Celsius para se obter fios e filamentos têxteis.
O processo com o tecido poliamida e elastano ocorre separando as fibras de acordo com a cor e a qualidade do fio. Depois, elas são colocadas dentro de um tanque de aço com ácido fórmico. O conteúdo do tanque passa por um filtro que retém uma parte sólida que se forma, uma espécie de espuma.
Esse material é lavado para remover qualquer espécie de poliamida ou elastano. O líquido restante é aquecido em um condensador a 50° C, fazendo com que o ácido fórmico se evapore. Nesse processo, o tecido se transforma numa massa espessa que pode ser reutilizada na indústria têxtil ou química na produção de plásticos.
Ao todo, o Brasil possui cerca de 21 empresas que fazem a reciclagem de tecidos, de acordo com uma pesquisa feita por Mariana Amaral, acadêmica da USP. Uma dessas recicladoras é a JF Fibras, localizada a apenas 50 quilômetros de São Paulo, em Suzano. Em uma área de 12 mil m², a companhia tem se consolidado como uma das maiores recicladoras de resíduos têxteis do país, tornando-se líder no fornecimento de fibras de jeans, malhas, sintéticos e outros tipos de tecidos.
Os fornecedores da JF Fibras são as próprias confecções, indústrias têxteis e cooperativas. “Como eu compro esses materiais que são sobras, eu sempre gosto de olhar antes para ver a qualidade”, diz o proprietário da empresa Carlos Roberto Novelini Júnior. A maioria dos tecidos tem potencial de negociação para o empresário, exceto o poliéster, pois é feito de plástico e demora cerca de 200 anos para se decompor.
Novelini conta que a indústria utiliza o método de reciclagem mecânica composta por maquinários europeus de aproximadamente 20 metros de extensão que são capazes de retalhar e triturar cerca de 1,8 milhão de quilos de tecidos por mês. “A cada dez minutos, 200 quilos de retalhos são transformados em fardos de mantas têxteis, prontos para serem revendidos a outras empresas”.
O maior comprador desses itens é o setor automobilístico. Geralmente, esses materiais servem para enchimentos de bancos de carro, almofadas, ursos de pelúcia e outros itens. O empresário conta que envia esses insumos para quase todas as regiões do Brasil e para outros países da América do Sul e do Norte.
“Como empresa recicladora, acho que estou contribuindo bastante com o meio ambiente, pois os tecidos são reaproveitados e não vão parar nos aterros sanitários do país”, finaliza.
Texto produzido em 18/06/2020
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